Os sucessivos fracassos do Fundo Monetário Internacional ao traçar previsões sobre o futuro das economias mundiais, bem como a ineficiência das medidas impostas pelo órgão aos governos a que emprestou dinheiro, não saiu impune. O FMI já vinha sofrendo grave crise de credibilidade internacional, e deu sinais de cizânia interna ao longo do processo de redação de seu último relatório, em que cede –mais ou menos– à necessidade de regular os mercados de capitais.
O diretor para Brasil e América Latina do FMI, Paulo Nogueira Batista, veio a público colocar-se contra a metodologia de análise adotada pela entidade e a forma como o texto é voltado à restrição das políticas adotadas pelas nações emergentes. Se foi a primeira vez em 70 anos que o FMI admitiu colocar em discussão mecanismos de controle do fluxo de dinheiro, também é raríssimo que as discordâncias internas dos dirigentes do órgão venham a público. A questão que está posta é simples: o que está ultrapassado não são apenas as fórmulas que o FMI defende, mas os objetivos e estrutura do Fundo. Ou ele próprio passa por reformas, ou ficará para trás.
A crítica de Batista não difere muito da que é feita ao FMI desde os anos 1990, quando os governos neoliberais da América do Sul recorreram em massa aos empréstimos internacionais para salvarem-se da bancarrota. O diretor brasileiro aponta que o estudo é falho, traçando cenários globais a partir da análise de um punhado de países (seis ou sete apenas), e que, no fim das contas, traveste de proposta para o controle dos mercados financeiros uma série de medidas que não vão ao cerne do problema –o FMI prefere restringir as políticas dos países emergentes, ao invés de analisar o caso dos países que desestabilizam o sistema monetário internacional com políticas ultraexpansivas.
É sintomático que o FMI adote essa postura, afinal, quando falamos da ineficiência das medidas sugeridas pelo órgão, precisamos levar em conta que há um setor para o qual o receituário do Fundo é extremamente lucrativo: os grandes especuladores financeiros. O FMI sempre jogou com eles, e agora não é diferente –talvez esteja tentando mudar o discurso, ao menos na superfície, apenas para se distanciar do fracasso anunciado das tentativas europeias de recuperação dos efeitos da crise econômica. O Velho Mundo também ignorou as origens da pane sistêmica de 2008/2009 e segue à risca o que o FMI prega há décadas; tudo indica, porém, que esse caminho só tende a agravar os efeitos sociais da crise internacional, e ameaça até a recuperação de outros países.
O melhor exemplo para o mundo segue sendo o dos países em desenvolvimento, com Brasil e China à frente. Aqui, como lá, o investimento público no setor produtivo e o incentivo à economia fizeram com que a crise passasse em branco. O FMI critica a ação do governo brasileiro de impor o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) de 6% para estancar o fluxo de capitais, mas desconsidera que, embora outras medidas sejam necessárias para impedir a desestabilização de nossa economia pelo influxo excessivo de dólares, o nosso caso é um dos mais bem sucedidos do mundo –ao contrário do que ocorre com os que seguem a agenda conservadora defendida desde sempre pela entidade.
Cabe ao Brasil e às demais economias emergentes não atenderem ao canto da sereia e buscarem uma alternativa coletiva, puxando o debate entre as nações para que as instabilidades que ainda circundam a economia mundial possam ser combatidas de forma séria, eficiente e que não prejudique os trabalhadores. Precisamos de uma reforma profunda no sistema financeiro internacional, e não apenas de medidas prudenciais que não fazem mais que salvar os bancos, os mesmos cuja irresponsabilidade causou a crise em primeiro lugar.
José Dirceu, 65, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT