As muitas mortes de Bin Laden

Por Sandro Vaia

A notícia da morte de Bin Laden desencadeou estranhas reações no mundo,que atestam o quanto a natureza humana é caprichosa e sujeita à influência de fatores irracionais.

A cena de jovens norte-americanos embandeirados cercando a Casa Branca como se estivessem comemorando a vitória dos Dodgers sobre os Red Sox só pode chocar quem acredita na capacidade de racionalização do ser humano.

Comemorar a morte de alguém, por pior que esse alguém seja, não faz parte do patrimônio cultural da nossa civilização.

Mas havia também nos jornais e na TV, como contraponto, a cena de um senhor solitário, de rosto amargurado, segurando o retrato de seu irmão morto no ataque do 11 de setembro, e expondo as marcas de um dos 3 mil dramas familiares que criaram cicatrizes profundas na alma de um país.

As razões pragmáticas, as razões legais, os critérios de justiça e de decência e também os sentimentos balançaram na tentativa da criação de um juízo equilibrado sobre a ação dos soldados norte-americanos que, sob as ordens do presidente Obama, executaram o terrorista escondido numa mansão no interior do Paquistão.

Ele estava desarmado e foi morto a sangue frio? Mas também não foram mortos assim os 3 mil das Torres Gêmeas?

Ele poderia ter sido preso e conduzido a julgamento ? Poderia, mas foram julgados e condenados à morte os 3 mil das Torres Gêmeas?

E convinha aos Estados Unidos criar, com a captura de Bin Laden, um foco de resistências, manifestações, hostilidades e possíveis alvos de novos ataques terroristas?

Muitos poderão argumentar, como argumentaram, que a Lei do Talião não é mais uma alternativa jurídica ou moral válida, e que combater o terrorismo usando os mesmos meios que ele usa desqualificam moralmente quem o faz.

Outros dirão, como disseram, que qualquer país tem o direito de se defender preventivamente e eliminar, em legítima defesa, quem ameaça a integridade física e a vida de seus cidadãos.

Mas o que talvez seja mais espantoso nessa história de horrores é a mal disfarçada simpatia que, em nome de ideologias mal lidas, mal compreendidas e mal digeridas, muitas pessoas que se supõem “progressistas” dedicaram ao representante de um fundamentalismo religioso fanático, ultra-reacionário e indefensável, pelo único fato de dividir com ele a hostilidade a um suposto “inimigo” comum – os Estados Unidos.

O inimigo do meu inimigo virou meu amigo, pouco importa se é um assassino e autor de um ato de inominável covardia, que é o assassinato sumário de 3 mil pessoas desarmadas e inocentes.

Os Estados Unidos cometeram muitos erros brutais em sua política externa, como a desastrada guerra do Iraque, mas não se pode contabilizar entre eles o exercício do legítimo direito de defesa.

Sobre as veladas simpatias ao terrorista morto, que nossos “progressistas” não souberam disfarçar, vale repetir, e repetir à exaustão, a sábia lição do grande jornalista francês Jean-François Revel, em uma de suas frases mais agudas, pertinentes e lapidares, que já usei aqui em um artigo sobre o terrorista italiano César Battisti:

‘Ao mesmo tempo que a percepção do real, a ideología suspende o exercício da consciencia moral’.

Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez. E.mail:svaia@uol.com.br