A crise vivida pelo Senado da República é uma oportunidade para se debater e esclarecer à sociedade o seu papel e funções e, mais do que isso, promover a necessária reforma que traga uma ampla revisão do seu papel.
Se a Câmara dos Deputados tivesse aprovado em primeiro lugar a reforma político-institucional, esta obrigatoriamente retornaria ao Senado que aí teria o dever constitucional de discutir sua própria reforma com pontos como o fim dos suplentes, e a redução do tamanho do mandato e do número de senadores por Estado. O ideal, por exemplo, é que voltasse a ser dois por unidade da federação e não três como hoje.
Mas, o fato é que o Senado aprovou primeiro a reforma – a que diz respeito aos deputados e não a que lhe diz respeito. Legislou sobre a fidelidade partidária, o financiamento público de campanha, o voto em lista, a entrada em vigor da cláusula de barreira, e o fim das coligações proporcionais, alterações que agora estão para ser votadas na Câmara dos Deputados.
Surpreende que assim tenha procedido, postergando sua própria reforma, mesmo após ter vivido outras crises, como as da violação do painel e a destituição de três presidentes, os senadores Jáder Barbalho (PA) e Renan Calheiros (AL), ambos do PMDB, e Antônio Carlos Magalhães BA), do DEM Bahia – este, então, o todo poderoso chefe da oposição.
Muitos estudiosos e articulistas tem classificado a Casa como uma câmara alta revisora e conservadora, mas o Senado brasileiro é muito mais do que um poder moderador. Ele é um contrapeso às reformas e mudanças. Sua natureza não é democrática – ou melhor, ele desequilibra os mecanismos de contrapesos necessários na democracia representativa, particularmente no presidencialismo.
Hoje os parlamentares com assento no nosso Senado são eleitos majoritariamente por 8 anos, com suplentes (que não recebem um único voto) indicados pelo próprio senador titular do mandato, ou pelo partido aliado à sua legenda.
São eleitos três por Estado, com poderes superiores aos da Câmara dos Deputados, quando esta é que representa a nação e é eleita proporcionalmente, em que pese a distorção provocada pela legislação ao estabelecer um mínimo de oito deputados e o máximo de 70 por unidade federada, o que faz com que 14 Estados com menos de 25% do eleitorado tenham a maioria na Casa.
A atual crise exige uma ampla reforma administrativa no Senado. É a oportunidade, repito, de o país discutir, e muito, o papel da Casa. Eu não diria a sua extinção, já que um país tão desigual, plural e diverso como o Brasil, com grande tradição federativa e desequilíbrios regionais gravíssimos, exige a existência de um Senado para representar a Federação.
Representá-la e defender os Estados menores e/ou mais pobres, para não apenas manter o equilíbrio federativo mas, também, ser um instrumento de autodefesa contra as maiorias que se formam na Câmara dos Deputados.
Passa por aí o novo papel do nosso Senado, e não o de ser uma câmara alta revisora com direito inclusive de iniciativa em matérias básicas e super poderes. Alguns, reconheçamos, até próprios de instituição federativa como autorizar os empréstimos dos Estados. Mas outros, como a aprovação da indicação dos ministros dos tribunais superiores, embaixadores, diretores das agências reguladoras, julgamento do presidente da República e de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), somados à sua função de câmara alta revisora, dão ao Senado um papel que diminui o da Câmara dos Deputados, esta representante da nação brasileira e da soberania popular.
Assim não basta uma reforma administrativa no Senado e nem a imposição de regras para o uso de seus recursos orçamentários, contratação de funcionários e forma de realizar licitações. É preciso rever seu papel e fazer sua própria autoreforma política. Não se pode esquecer que todo esse poder, sem a reforma política, sem financiamento público de campanhas, e sem a fidelidade partidária leva à atual situação onde os senadores se consideram acima dos ditames constitucionais e isentos de prestar contas à cidadania a não ser a cada oito anos.
É preciso lembrar ainda o fato de que além de todo o poder de que dispõem, os senadores contam com a utilização da máquina da Casa, o uso e abuso do poder econômico dos suplentes – que hoje constituem 1/3 em exercício no Senado e que, em muitos casos, financiam suas campanhas e depois assumem o mandato – e o controle que exercem sobre grupos de comunicação em seus Estados que, na maioria do casos, já governaram.
Assim como está hoje definido na Constituição e no ordenamento político do país, o Senado se transformou de fato numa fortaleza não só da oposição mas do conservadorismo e do poder oligárquico. É hora de mudar. Esta é a hora da reforma.