Nas relações entre o estado e os contribuintes, ganham peso crescente as dívidas constituídas entre eles. O quadro é impressionante: os débitos dos contribuintes inscritos na Dívida Ativa da União já ultrapassam R$ 700 bilhões; os precatórios devidos pelos Estados e Municípios são estimados em R$ 100 bilhões; as dívidas previdenciárias dos Municípios se eternizam, em virtude de sucessivos planos de parcelamento.
A constituição desses débitos apenas atesta a fragilidade dos instrumentos de cobrança e a forma descuidada com eles são tratados pela administração pública e pelos contribuintes. Pretendo explorar, neste artigo, a apuração e a liquidação desses passivos e apontar caminhos que possam prevenir sua ocorrência.
Pode-se entender como verdade que os passivos tributários dos contribuintes estejam associados ao tamanho da carga tributária por eles suportada. Sem perquirir as causas que explicam o ônus tributário, devem ser arroladas inúmeras outras razões para explicar a constituição desses passivos, dentre as quais destaco a expectativa dos contribuintes de que, a qualquer tempo, haverá uma anistia.
De fato, a União, os Estados e os Municípios, a pretexto de conferir liquidez aos passivos tributários, costumam rotineiramente instituir parcelamentos combinados com anistias. Trata-se de um enorme equívoco, somente justificável em situações excepcionais, quando a administração fiscal pretende resolver complexas contendas judiciais, pela via da transação tributária.
Os parcelamentos, por sua vez, servem apenas como instrumento para fazer alguma receita fiscal e permitir ao contribuinte obter uma certidão negativa para contratar com o setor público. Muitos deles são cancelados sem que haja a liquidação dos débitos, na certeza de que virão novos parcelamentos, freqüentemente, acompanhados de anistia.
De todos os parcelamentos, o REFIS representou uma iniciativa singular. Em lugar de parcelas constantes, optou-se por vincular o pagamento a um percentual da receita bruta, ou seja, à capacidade de pagamento do contribuinte. Além disso, não se concedeu qualquer anistia.
Às críticas de que o modelo do REFIS poderia resultar em prazos longos, a resposta é óbvia: longo prazo é mais próximo do que nunca. Nenhum contribuinte conseguirá pagar mais do que sua capacidade de pagamento permite. Parcelas mensais que superem essa capacidade é apenas uma evidência franca de que está em curso a farsa da obtenção da certidão negativa. É, portanto, inadequado referir-se a parcelamentos posteriores (PAES, PAEX e outros), como REFIS I, REFIS II, etc.
A montanha de precatórios não pagos é literalmente uma vergonha. Desautoriza moralmente a cobrança da dívida ativa. Precatórios e dívida ativa são créditos constituídos à luz dos pressupostos de certeza e liquidez. Pouco importa se os precatórios resultaram de desídia ou incompetência na defesa do interesse público. O fato é que transitaram em julgado, não cabendo, pois, mais nenhum recurso contra a sentença.
Da mesma forma que os débitos dos contribuintes, os precatórios, pela magnitude que assumiram, somente poderão ser liquidados mediante parcelamento. O legislador constitucional não teve dúvida de vincular o pagamento do precatório à receita líquida corrente da entidade federativa devedora. Por que, então, não vincular também o parcelamento do contribuinte à sua receita bruta? Por que não admitir o pagamento de débitos inscritos em dívida ativa com precatórios, quando o Estado exige que, na sua liquidação, se proceda à compensação com aqueles débitos? A igualdade nas relações entre o contribuinte e o Estado é um preceito republicano fundamental.
Ganha espaço na mídia as enormes perdas fiscais que estão sofrendo os Municípios, particularmente os que dependem de transferências federais – como a imensa maioria deles. As perdas decorrem da crise econômica e dos instrumentos que vêm sendo utilizados para mitigá-la. Apenas a concessão de isenções, no âmbito do IR e do IPI, já resultou em uma redução, no valor das transferências para Estados e Municípios, superior a R$ 3 bilhões.
A situação é de tal ordem grave que muitas Prefeituras estão paralisando suas atividades pela impossibilidade de atender a seus compromissos. Por essa razão, propus a criação de um fundo de emergência capaz de assegurar minimamente os valores nominais das transferências realizadas no exercício passado, tendo como fonte a anulação de despesas consignadas no Fundo Soberano.
Para complicar ainda mais, foi anunciado um programa de parcelamento de dívidas previdenciárias dos Municípios, com prazo de amortização de 240 meses. Ocorre que nesses presumidos débitos estão incluídos valores inexistentes ou pagos a maior, por força da Súmula Vinculante nº 8 do STF que fixou em cinco anos o prazo para decadência e prescrição de débitos previdenciários.
No projeto de lei de conversão da MP nº 457, que trata da matéria, seria recomendável fixar uma moratória de seis meses no parcelamento, para que se faça uma indispensável revisão dos valores devidos. Seria também a oportunidade para alterar as regras propostas de parcelamento, substituindo-as por um percentual das transferências compulsórias federais. Se ainda restasse disposição para inovar, poderia cogitar-se da construção de um modelo que articulasse o pagamento dos débitos correntes previdenciários com a efetivação daquelas transferências, resolvendo de uma vez por todas o eterno problema das dívidas previdenciárias dos Municípios.