O artigo anterior desta coluna teve como título “O parteiro ausente”, que afirmava que há um Brasil novo querendo nascer, mas falta uma força política capaz de realizar esse parto histórico. Os candidatos a presidente para o segundo turno das eleições de 2010 já parecem escolhidos, tanto pela mídia quanto pelos institutos de pesquisas, dispensando o primeiro turno. Ambos os candidatos pré-escolhidos apresentam discursos iguais: o da aceleração da economia. Não incorporam propostas para mudar o rumo da história brasileira, em direção a um novo projeto nacional, como fizemos em 1888, 1889, 1930, 1955, 1985. E nunca foi tão importante essa reorientação, diante da crise financeira, econômica, ecológica e social.
A eliminação do primeiro turno e o descaso pela realização de prévias nos partidos não só adia a possibilidade de reorientação histórica para nascimento do novo Brasil, como nem sequer permite seu debate. E a ausência desse debate tem consequências trágicas sobre a formação política de nossa população, e ainda mais de nossa juventude, órfã de propostas novas para nosso país.
Desde que reconquistamos a eleição direta, em 1989, algumas utopias foram apresentadas durante as campanhas. Personagens como Brizola, Lula e Roberto Freire, Ulysses, Covas traziam propostas que se chocavam com as de Collor. Lula e Brizola traziam propostas que confrontavam as de Fernando Henrique. Em 2006, diante da força do Lula, apenas o PDT e o PSol tiveram a ousadia de apresentar candidatos com opções aos discursos similares dos principais candidatos. Juntos, tiveram menos de 10% de votos, mas fincaram bandeiras alternativas. A juventude e o eleitor tiveram a oportunidade de ouvir propostas novas: a revolução pela educação e a moralização do exercício da política.
O governo Lula anulou o PT e cooptou vários partidos de oposição, como também os movimentos sociais que poderiam apresentar alternativas. PT, PCdoB e PSB passaram a ver o poder como finalidade. O PDT de Brizola ainda mantém, nas suas bases, um sentido de busca da utopia do trabalhismo pela educação, mas está subordinado ao projeto hegemônico que o governo representa. O Presidente Lula tem sido competente para manter o rumo, felizmente com mais generosidade para com os pobres do que os governos anteriores, mas não tem apresentado compromisso com uma reorientação mais significativa. O rumo é o mesmo: a indústria mecânica e a exportação de bens minerais e agrícolas como vetores e propósitos do progresso, sem considerar a necessidade de guiar o país rumo à economia do conhecimento, ao equilíbrio ecológico, à valorização da cultura. O governo Lula ampliou a rede de proteção social, mas não construiu o que se esperava: uma escada de ascensão social para os pobres.
Nesse quadro desolador, surge a possibilidade da candidatura de Marina Silva. Em conversa recente, ela disse-me que se sente uma “mantenedora da utopia”. Usou essa expressão para justificar sua luta por um novo modelo de desenvolvimento econômico, que passe a incorporar o compromisso com o equilíbrio ecológico, e com a construção de escadas para a ascensão social.
É nesse mesmo sentido que venho defendendo uma revolução educacional. Porque é na escola que se constrói a nova consciência e se desenvolve a ciência e tecnologia que reduzirão a demanda por recursos naturais e a emissão de resíduos.
Por isso, os militantes que defendem uma renovação do Brasil e cujos partidos não se decidem por um candidato próprio devem comemorar a possibilidade de toda candidatura que recupere o sonho da revolução que o País precisa. Os que não perderam a crença nas mudanças devem se alegrar com candidaturas portadoras de utopias, como a de Marina Silva e outras que venham a surgir.
Como ex-candidato que também tentou ser portador de utopias – sem passar de 2,5% dos votos -, comemoro o nome da Marina Silva e outros, como Heloisa Helena, que darão ao Brasil a oportunidade de escutar propostas alternativas, fora da mesmice.
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)