A enchente deste ano já é a maior de todos os tempos. O recorde na régua do Roadway talvez não seja batido, nem mesmo ao final de junho, quando, exceto se a natureza der uma guinada fenomenal, o período de cheia estará encerrado, mas, o movimento não foi apenas das águas – nosso povo também se aproximou e a distância entre as habitações e os rios se tornou mais curta. Hoje há, sem dúvida, centenas e centenas de milhares de seres humanos flagelados a mais que os daquele 1953.
Os cientistas, estudando o aquecimento global, afirmam que os mares se elevarão, tragando cidades litorâneas. O fenômeno atual dos rios amazônicos, então, poderá se repetir mais vezes e com menor intervalo.
Sedes municipais precisam ser mudadas, com urgência, ou remover moradores remanescentes de mudanças anteriores.
Anamã, no rio Solimões, precisa ser replanejada criteriosamente. Sem um palmo fora d’água, há ameaça de a Ceam ser invadida pela enchente, já perdeu seu único hospital e precisa de cinco balsas-dormitórios para improvisar hospital e leito para desabrigados. A cadeia pública, alagada, obriga o delegado a levar os presos, um deles homicida, para dentro da própria casa, misturando família e infratores. As pessoas, ao ajudar, falam em cestas básicas, dinheiro, remédios etc., mas não em psicólogos para socorrer as almas torturadas de Anamã.
Urucurituba Velha (Vila Augusto Montenegro), Careiro da Várzea e Boca do Acre já viveram a experiência de transferência, mas muitos moradores ficaram na várzea. O momento é propício para consolidar Urucurituba Nova, Careiro Castanho e Platô do Piquiá, os respectivos abrigos dos transferidos, desde que se façam campanhas educativas e se dê infra-estrutura digna aos novos locais.
Barreirinha, no Médio Amazonas, está a apenas 15 minutos, por estrada já aberta, de Terra Preta do Limão, que é terra firme e tem o mínimo, com água, luz, telefone, televisão, posto de saúde e, melhor ainda, terras agricultáveis. A estrada, com pequeno investimento se tornaria perene, resolvendo o eterno problema das alagações na sede municipal.
Há casos graves no Purus. Canutama é o exemplo mais drástico. As águas já começam a baixar e chega o temor pelos problemas da vazante, como as temíveis doenças de veiculação hídrica – hepatite, leptospirose etc.
No Juruá, Itamaraty, invadida pelas águas, também já está em vazante. As sedes mais altas foram poupadas, na calha desse rio, porém, as zonas rurais estão penalizadas por igual.
No Madeira, rio jovem, sem leito definido, que arrasta o que encontra pela frente, os problemas, igualmente, são muitos.
No Anori, o quadro é delicado. Casas da frente da cidade atingidas, ruas intransitáveis, muitos desabrigados. As cestas básicas do governo federal e os cartões de R$ 300 do governo estadual ainda não chegaram lá. A Prefeita Sansuray Xavier está bravamente nas ruas, com sua gente, enfrentando adversidades, mas precisa urgentemente de ajuda.
Em Codajás, o prefeito Agnaldo Dantas administra o drama de centenas de pessoas, numa crise que é limitada a certos pontos da cidade.
Esses e os demais prefeitos se debatem com a brusca queda de receita, decorrência da grave crise econômica, diminuindo em muito os repasses de ICMS e FPM.
Registro, em meio a tudo isso, que São Gabriel da Cachoeira é uma exceção, por sua conformação geográfica. Até montanhas fazem parte de toda aquela beleza natural, onde o rio Negro esculpe as pedras e se deita em cachoeiras.
A enchente avassaladora atinge também duramente Manaus. Bairros da Zona Sul, como Presidente Vargas, a tradicional Matinha, onde 527 famílias estão prestes a ficar desabrigadas, e em São Raimundo, com 545 famílias na mesma situação, são os que mais pagam o preço. São vítimas daquilo que Dom Luiz Soares Vieira, arcebispo metropolitano de Manaus, denunciou, sexta-feira, neste mesmo Diário do Amazonas: a falta de zelo das autoridades, que permitiram invasões nas margens de igarapés.
Temos, em Manaus, 4.124 famílias praticamente desabrigadas, num total de 16.617 munícipes, segundo dados da Defesa Civil. São pessoas que resistem com tenacidade aos apelos para deixar as casas e só o farão quando houver um plano crível e concreto para oferecer nova habitação.
Na Zona Rural, a situação é igualmente calamitosa. Dez comunidades, com 220 famílias, especialmente as do Paraná da Eva, foram afetadas. Duas já suspenderam as aulas.
Sugiro, além do replanejamento das sedes municipais citadas, que o governo federal desburocratize a questão das cestas básicas e as envie diretamente para os prefeitos. E que mantenha a ajuda até o fim dos últimos efeitos da vazante, acrescentando remédios e médicos em maior quantidade, uma vez que a propagação de doenças pode se dar em proporção mais elevada que a da invasão das águas.
O governo estadual deverá, igualmente, repassar os R$ 300 diretamente para os prefeitos. E deveria estender essas compensações até o fim dos efeitos nocivos da vazante.
Ou seja, uma ajuda só, pontual, é pouco, nesse caso e no outro. É preciso assistência mensal. E ajuda lenta, burocrática, impessoal, também não resolve. A saída é descentralizar os recursos, na direção das prefeituras.
O Amazonas pode transformar o limão numa limonada, mas só com ação pronta, justa, concreta, séria e imediata.