2009 será lembrado como o ano em que se viveu a primeira crise importante da economia globalizada. Não foi a “marolinha”, como pretendeu Lula. Tampouco significou a ruína do capitalismo financeiro, como previam alguns catastrofistas. Trata-se de uma crise grave enfrentada com armas poderosas, cujo fim, entretanto, não é ainda de todo previsível.
Já se sabe que a forte interdependência na economia internacional pode inopinadamente gerar crises inesperadas – como a recente moratória de Dubai. Essa interdependência é governada pela teoria do caos (“o bater de asas de uma borboleta em Pequim pode produzir um terremoto em São Francisco”).
A Organização Mundial do Comércio e os fóruns econômicos internacionais representam soluções liliputianas na prevenção dessas crises. Ainda não se firmou uma convicção sobre as exigências de compartilhamento de problemas e de cooperação internacional em uma sociedade globalizada, inclusive no que concerne à regulação e ao acompanhamento dos mercados financeiros.
O Brasil conseguiu suportar bem os rigores da crise, por conta do seu sólido sistema bancário, que, desde o saneamento promovido pelo PROER, seguiu uma trajetória de equilíbrio, e da boa política de acumulação de reservas internacionais.
Desonerações do IPI incidente sobre veículos automotores, linha branca de eletrodomésticos e materiais de construção contribuíram significativamente para estimular a demanda e, desse modo, enfrentar a crise pela via do consumo. Nada muito diferente do que se fez em outros países.
Desonerações pontuais sempre mereceram crítica, na doutrina, por comprometerem a desejada neutralidade tributária, além de sujeitarem a política fiscal a maliciosas investidas de lobbies. Essa ressalva, contudo, é inaplicável ao IPI, pois conceitualmente trata-se de um imposto seletivo.
Não se pode, entretanto, esquecer que 57% do produto da arrecadação daquele imposto são destinados a Estados, Municípios e fundos regionais. Ainda que a causa seja meritória, vê-se que o governo federal, sócio minoritário do IPI, está fazendo cortesia com chapéu alheio.
Especificamente em relação à redução do IPI de automóveis, a prorrogação do benefício fiscal limitou-se aos carros flex, por alegadas razões ambientais. Em tese, a motivação é boa. Cabem, todavia, algumas ponderações.
A redução da alíquota dos automóveis flex vis-à-vis à dos movidos a gasolina foi providência adotada no Governo FHC. O impacto foi impressionante. A participação daqueles veículos no mercado cresceu rapidamente, desde percentuais insignificantes até quase 90%. Portanto, estímulo àquele tipo de automóvel, agora, alcança, na prática, quase todo mercado automobilístico.
O que antes significava incentivo ao consumo de combustível menos poluente, com a virtude da flexibilidade, hoje quer dizer tão somente estímulo à expansão da frota de automóveis, com repercussões negativas sobre a emissão de gases e sobre o caos urbano, evidenciado pelos ciclópicos engarrafamentos diários das grandes e médias cidades brasileiras.
Não seria mais interessante destinar os incentivos fiscais para os automóveis movidos a eletricidade ou outras modalidades de energia menos poluente, e para os minicarros, os chamados smart, que concorrem relativamente menos para os engarrafamentos? A verdade é que nossas cidades não estão capacitadas para receber sequer a atual frota.
Preocupante é a desatenção com o crescimento dos gastos correntes, especialmente na União. O superávit caiu significativamente nos últimos dois anos, a despeito de mascarado por soluções artificiosas que excluem, em sua apuração, determinados gastos, a exemplo do PAC, em exercício típico de autoengano.
Nas circunstâncias atuais, felizmente o desequilíbrio fiscal não representa problema relevante para o Brasil, porque outros países se encontram em situação calamitosa e os investidores estrangeiros sempre decidem a partir de padrões relativos.
Os déficits orçamentários, projetados para 2010, na região do euro, devem atingir 7% do PIB. Para os anos subsequentes, contudo, a previsão é de recuperação, tendo em vista, entre outros fatores, uma maior flexibilidade na gestão fiscal. É aí que mora o perigo, pois o Brasil pode perder vantagem relativa porquanto aqui existe uma excessiva rigidez no gasto, em desfavor da agilidade nos ajustes.
A nossa esperança é que não ocorram turbulências significativas no plano internacional e que o calor das eleições não estimule loucuras de fim de governo. Assim, poderemos confirmar os votos de um feliz 2010.
Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal