Dom Hélder Câmara está entre aqueles brasileiros que engrandeceram o século XX. Convicto de sua opção pelos humildes, trabalhou pela construção de uma sociedade mais justa e solidária.
Caracterizado pela amplitude e diversidade de sua obra social, política e catequética de caráter humanista, profetizada não só no Brasil mas onde quer que clamassem por sua pregação, Dom Hélder foi, sem dúvida, um verdadeiro Artesão da Paz.
Neste ano comemoram-se, 100 anos de seu nascimento ocorrido em Fortaleza no dia 7 de fevereiro de 1009, e dez anos de seu falecimento, em Recife, aos 90 anos, em 28 de agosto de 1999, simultaneamente.
Para ser ordenado sacerdote aos 22 anos de idade, em 1931, o então candidato Hélder contou com uma autorização especial da Santa Sé, uma vez que não tinha a idade mínima exigida. Ao rezar sua primeira missa, o Padre Hélder convidou dois tenentes para o auxiliarem na celebração. No mesmo ano fundou a Legião Cearense do Trabalho. Com as lavadeiras, passadeiras e empregadas domésticas, criou a Sindicalização Operária Feminina Católica.
No Rio de Janeiro, para onde fora transferido em 1936, deu ênfase à sua cruzada de ações e pregações democráticas e humanistas, introduzindo a participação do laicato católico na vida política do país através dos movimentos de Ação Católica, com especial atenção para a juventude, como por exemplo a Juventude Operária Católica (JOC), a Juventude Estudantil Católica (JEC) e a Juventude Universitária Católica (JUC).
Como representante do Núncio, o Padre Hélder seguiu de perto o processo de desenvolvimento regional do Brasil, sobretudo no Nordeste, no Vale do Rio Doce, no Vale do Paraíba e na Amazônia. Atento às questões sociais, dedicou-se com entusiasmo aos problemas das favelas do Rio de Janeiro. Como solução para a favelização de capitais como Belo Horizonte, Recife, São Paulo e Rio de Janeiro, propôs ao Ministério do Trabalho a reforma agrária e o desenvolvimento rural do Brasil.
Em 1952, nomeado bispo-auxiliar do Rio de Janeiro, funda a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da qual torna-se secretário geral por 12 anos. As atividades da CNBB levam à criação do Conselho Episcopal Latino Americano (CELAM).
Graças ao empenho de Dom Hélder é criado o Movimento de Educação de Base (MEB), ligado à CNBB e financiado pelo governo federal, iniciativa inédita dos católicos no campo da educação popular. O objetivo do MEB não era apenas alfabetizar o trabalhador rural, mas possibilitar uma educação integral que desenvolvesse também a consciência política, social e religiosa dos participantes. Uma conscientização que começava com a alfabetização de adultos através da valorização do conhecimento da cultura popular.
Foi decisivo também seu apoio, juntamente com os bispos do Nordeste, à criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste-SUDENE, dos sindicatos rurais e da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura-CONTAG.
Após 28 anos no Rio de Janeiro, Dom Hélder foi nomeado Arcebispo – e depois arcebispo emérito – de Olinda e Recife, e empossado no início de abril de 1964. Na ocasião encontrou o povo de Pernambuco órfão do seu líder maior, o governador Miguel Arraes de Alencar, deposto pelos militares do Golpe de 1964.
Dr. Arraes, líder de carisma sertanejo, vinha fazendo uma administração de signo popular e democrático, e sua destituição arbitrária significou para Dom Hélder a necessidade de uma atuação política e social em defesa dos humildes redobrada. Dias depois do golpe, Dom Hélder divulga um manifesto em apoio à ação católica operária em Recife. A indignação toma conta dos quartéis. Boletins militares acusam o arcebispo de “demagogo” e “comunista”. Dom Hélder torna-se persona non grata da ditadura militar, que tratou de evitar o crescimento do seu prestígio dentro e fora do Brasil.
Por meio de uma ardilosa e silenciosa campanha que contou com a participação de empresários brasileiros, o regime logrou inviabilizar sua candidatura ao Prêmio Nobel da Paz. Proibido de falar no Brasil Dom Hélder passa a aceitar convites para conferências e pregações no exterior. No início da década de 1970, auge da repressão militar que encharcou de sangue o solo do país e enegreceu o céu da pátria, o padre Antônio Henrique, assessor de Dom Hélder, é preso, torturado e assassinado. Vinte colaboradores de sua arquidiocese são presos e torturados. Em Paris, no dia 26 de maio de 1970, Dom Hélder faz comovente pronunciamento denunciando a prática de tortura a presos políticos no Brasil.
Em 1985, ao se aposentar, deixa mais de quinhentas comunidades de base organizadas, que reúnem operários, trabalhadores rurais, retirantes e pescadores. Participa da campanha pelas “Diretas Já” e, pouco depois, durante o processo constituinte, percorre o Brasil, proferindo palestras de conscientização e cidadania.
A obra de Dom Hélder pode ser sintetizada em exclamação de sua própria autoria:
“… quando dou pão aos pobres,
chamam-me de santo, quando
pergunto pelas causas da pobreza,
me chamam de comunista.”…
Dom Hélder Câmara
“O DOM da paz”
Ana Arraes é deputada federal pelo PSD de Pernambuco.