A Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, realizada em Copenhague, logrou o insucesso esperado. A despeito disso, existem ganhos conceituais à medida que o evento estimulou o crescimento de movimentos sociais, de âmbito internacional, em defesa do meio ambiente, contrastando com a inépcia das principais lideranças políticas mundiais.
É inevitável que, em algum momento (na Conferência do México, talvez), sejam adotadas medidas firmes para mitigar as mudanças climáticas.
Iniciativas individuais de cada país não deveriam, entretanto, ficar condicionadas a um amplo acordo internacional, pois atenção ecológica deve ser entendida como ato de responsabilidade social e política.
No Brasil, enquanto isso, continuamos com muito discurso e pouca efetividade.
A excessiva burocratização e lentidão na análise dos impactos ambientais dos projetos de infra-estrutura conseguem atrair a antipatia dos que buscam soluções para problemas reais, sem afinal alcançar os objetivos colimados.
Ainda não se conseguiu combinar eficiência administrativa com desenvolvimento sustentado.
De mais a mais, as providências têm sempre caráter restritivo. Não se cogita a adoção de medidas visando estimular atitudes que aproveitem a políticas ambientais, a exemplo de incentivos para aquisição de automóveis com menor emissão de gases que os movidos a etanol ou gasolina, crédito presumido pela utilização de materiais reciclados ou de madeiras certificadas destinadas à produção de móveis, campanhas induzindo a população a optar por produtos ecologicamente corretos.
A bem da verdade, registre-se que, recentemente, foi outorgado benefício fiscal para aquisição de lixo coletado por cooperativas de catadores.
Preocupa-me, nesse contexto, a pouca ou nenhuma atenção que se dispensa às questões ecológicas urbanas. Em cinquenta anos, a população brasileira migrou do campo para as cidades gerando um país preponderantemente urbano.
As cidades não tinham nem desenvolveram estruturas capazes de absorver as massas que migraram do campo. Tampouco conseguiram lidar com o lixo e a violência crescentes.
Exercícios de urbanismo bizarro produziram monstrengos como o minhocão de São Paulo ou os elevados do Rio de Janeiro. Já no Recife, converteram a Avenida Conde da Boa Vista em um pavoroso terminal rodoviário e promoveram, na Praia de Boa Viagem, a construção de uma teratológica obra de cimento, denominada Parque Dona Lindu.
Os responsáveis por essas barbaridades urbanísticas bem poderiam ser denominados Barberini tropicais (segundo os romanos, o que os bárbaros não fizeram em Roma os Barberini fizeram).
A ocupação desordenada do solo urbano, complacentemente tolerada pelo Estado, é a causa principal de alagamentos e de deslizamentos de solos.
As mortes que, infelizmente, ocorreram, neste final de ano em Angra dos Reis, são a reprodução do que houve, no ano passado, em Santa Catarina e do que tem havido em inúmeras cidades brasileiras, em virtude da ocorrência de fortes chuvas de verão, no Sul e no Sudeste. Essas intempéries estão se tornando dramaticamente repetitivas, a cada final de ano.
Os projetos de transportes de massa, iniciados nos anos setenta, caminharam a passos de tartaruga. Concomitantemente, aumentaram os benefícios fiscais e creditícios para compra de automóveis particulares. Em consequência, engarrafamentos se converteram em rotina das grandes e médias cidades.
É alarmante o descaso dos órgãos públicos com problema de tamanha magnitude. O Ministério das Cidades distribui verbas ao sabor de interesses eleitoreiros; o da Integração Nacional prefere o socorro pífio à prevenção efetiva; o do Meio Ambiente limita-se a brandir preocupações com a devastação florestal; governadores e prefeitos concedem licenciamento ambiental por pressão de especuladores imobiliários e fecham os olhos para a ocupação predatória dos morros e alagados; e pessoas sofrem e morrem.
Urge uma lei de responsabilidade ambiental aplicável aos governantes, com base no art. 23 da Constituição, estabelecendo regras gerais para licenciamento ambiental e ordenação do território, e as correspondentes sanções nos casos de descumprimento.
Além disso, é necessário conceber programas de transportes de massa, saneamento básico, drenagem fluvial, proteção de encostas, melhor distribuição espacial dos equipamentos públicos, sob a égide de uma política nacional de ecologia urbana.
Nossas cidades estão doentes. Quantas tragédias a mais precisaremos lamentar para que se faça algo?
Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal