Saulo Fróes de Matos, 5 anos, foi arrastado pelas águas no Paraná do Moura, em Urucurituba. Impotente, a família não conseguiu resgatá-lo. É a primeira vítima letal da enchente que assola os rios da Amazônia. Talvez, em sua inocência, seja também o mártir da denúncia da absurda falta de precaução quanto a esse fenômeno e da péssima qualidade de vida dos ribeirinhos.
Estou revoltado. Quando houve SOS Amazônia, SOS Nordeste, SOS Santa Catarina e tantos outros chamados de socorro, diante de iminentes tragédias ou após a ocorrência delas, o Brasil sempre se mostrou solidário e presente. Agora, com tantas vítimas da enchente, irrita o imobilismo em relação aos cidadãos do Amazonas, cujas vidas parecem valer menos diante da Nação.
Vejam o caso das cestas básicas. O Governo Federal manda, o Governo Estadual repassa e as Prefeituras fazem a mobilização para entrega. São tantas etapas, tanta burocracia, tanta distância a percorrer, que quando a última cesta chegar ao destinatário, este já estará precisando de outra, porque a cheia terá ido embora e o Amazonas já estará vivendo o fenômeno da seca.
Enquanto isso, no mundo real em que vive, o ribeirinho é atacado por cobra, poraquê, ratos e todo tipo de animal pestilento. Literalmente, todos ficam sem chão e a casa do caboclo acaba sendo o único espaço a ser disputado. Um capítulo à parte é a arraia. Diante de uma criança, indefesa, uma ferroada pode ser mortal. Mesmo muitos adultos, teoricamente mais capazes de se defender, são aleijados todos os anos pelo veneno contido no ferrão dela.
Em Canutama, ruas se tornaram igarapés e avenidas rios. Uma criança está sujeita, a todo momento, a cair na calçada. Imagine o perigo quando a calçada se tornou um curso d’água, com correnteza forte, capaz de arrastá-la para a morte.
Estou revoltado também com a brutalização das autoridades, que não vão aos locais onde essas tragédias estão acontecendo.
Mário Covas me disse, certa vez, pouco antes de assumir a Prefeitura de Manaus, que a autoridade executiva tem a obrigação de ir aos locais onde houver tragédia. É preciso ver de perto a extensão do problema e ouvir os moradores, dos quais surgem, muitas vezes, as possibilidades de solução.
Poucos dias depois de ter assumido a Prefeitura de Manaus, um desabamento na Constantino Nery, próximo ao HC Pneus, ameaçava levar toda a avenida. Fui ao local. No outro dia, uma amostra do solo estava sendo analisada para saber com precisão científica o que fazer. Os engenheiros me diziam que tal análise só poderia ser feita no Rio de Janeiro, consumindo dias preciosos. Descobri, por um morador, que a Andrade Gutierrez tinha um laboratório capaz de fazer essa análise em Manaus. Assim, conseguimos contornar o problema em tempo recorde.
Outra vez, em outro desabamento, desta vez na Luiz Antony, pouco tempo depois, fui um dos primeiros a chegar ao local. Ouvi um morador dizer: “Nessas horas, o FDP do prefeito não aparece”. Bati nas costas dele e disse: “Desculpe, amigo, mas desta vez o FDP do prefeito está aqui sim, ao seu lado. Vamos discutir o que fazer?”
Não houve uma tragédia no Município em que eu não estivesse ao lado da população, presente, levando a autoridade para perto do problema.
Estar presente é o mínimo. Essa distância olímpica das autoridades, diante da tragédia da cheia, me incomoda.
Saulo Fróes de Matos, 5 anos, é a primeira morte nesta enchente. Tinha todo um futuro pela frente. Podia ser agricultor, pescador, escritor, engenheiro, advogado, médico, poeta. Podia ser qualquer coisa. Agora não pode mais ser nada.
Em Itaramaty, por conta da cheia, uma senhora saiu de canoa em busca de alimento. Deixou uma criança sozinha em casa. Foi empurrada pela intuição para voltar mais cedo e chegou a tempo de afastar uma cobra que tentava atacá-la.
Apenas sobrevoar os locais inundados, fazendo cara de preocupado para as câmeras fotográfica e de vídeo, não adianta. É preciso estar presente.
Aproveito a proximidade do Dia do Trabalho, que ocorreu sexta-feira, para dedicá-lo a Saulo Fróes de Matos. Essa é uma data que deve sempre ser comemorada sob o signo da luta. Saulo perdeu a vida inocente. Que essa vida, ceifada ainda em flor, sirva para chamar a atenção para a tragédia da enchente, que tantos de nós amazonenses estão vivendo e que reclama a atenção dos brasileiros.
PS: Ao professor José Ribamar Bessa, meu querido Babá, uma opinião muito fraterna. Sei de sua devoção à causa indígena, mas me sentiria muito mal se não expusesse minha solidariedade ao ex-presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, que é um homem de bem. Trata-se de alguém que pode pensar bem, para alguns, e pensar mal, para outros, mas sempre busca pensar o melhor para os brasileiros. Se tivesse que citar duas pessoas íntegras, neste momento, citaria, justamente, Babá e Aldo Rebelo.
Arthur Virgílio Neto é líder do PSDB no Senado.