Há décadas, indicadores denunciam o trágico quadro da educação de base.
Mas foi preciso o Exame Nacional do Ensino Médio ser usado no lugar vestibular e ser vítima de uma fraude para que a situação do Ensino Médio aparecesse.
Enquanto o ENEM não estava ligado à universidade, seus resultados mereciam pouco destaque, ainda que indicassem uma tragédia.
Quando se pergunta como explicar essa vergonha educacional em uma das grandes potências econômicas do mundo, a resposta está na preferência brasileira pelo topo da sociedade, não pela base.
Cuidamos mais das universidades do que da educação de base.
Um exemplo é que a quase totalidade dos que defendem cotas raciais para ingresso na universidade não lutam pela abolição do analfabetismo, nem pelo aumento no número dos jovens negros que terminam o Ensino Médio.
Outro exemplo é o Brasil se preocupar com o fato de termos apenas 13% dos jovens de 18 a 24 anos – chamada idade universitária – cursando a universidade, sem considerar que apenas um terço dos alunos que se matriculam no Ensino Médio consegue concluí-lo. Hoje, o número de vagas para ingresso na universidade é de 2,8 milhões, maior do que o número dos que terminam o Ensino Médio, 1,8 milhão.
Mas as mobilizações são pelo aumento de vagas na universidade, e não pela conclusão do Ensino Médio.
O resultado é uma universidade sem base: os alunos entram sem condições de seguir plenamente o curso que escolheram e sem base complementar ao conhecimento específico de seu curso.
As universidades sofrem um dilema: ficar com vagas ociosas ou ter vergonha dos alunos.
Mesmo os que terminam o Ensino Médio recebem uma formação deficiente.
De acordo com o PISA – que avalia o resultado da educação no mundo -, em 2006, 55,5% dos alunos brasileiros foram reprovados com nota abaixo do nível 2, na escala até 5. E 27,8% deles ficaram abaixo do nível 1.
A educação de base do Brasil está em 39º posição entre 56 participantes. Atrás de países como Jordânia e Indonésia, cujas rendas per capita são R$8.160 e R$5.950, respectivamente, bem menores do que a brasileira, que é de R$16.490.
A grande fraude não está no vazamento de informações nas provas para o ENEM-Vestibular para ingresso na universidade, mas nos resultados do ENEM-Avaliação da qualidade do Ensino Básico no Brasil.
Termos notas tão baixas no ENEM é uma fraude maior do que o crime de se apossar dos resultados das provas do ENEM.
E essas notas medem apenas o desempenho dos alunos que concluem o Ensino Médio, sem considerar os que ficaram para trás.
A fraude das fraudes é apenas um terço dos nossos jovens concluírem o Ensino Médio, e de pouca qualidade.
Quase universalizamos as matrículas nas primeiras séries do Ensino Fundamental, mas desprezamos a assistência, a permanência e o aprendizado.
A verdadeira e grande fraude do ENEM está escondida: é a exclusão e o baixo desempenho dos alunos do Ensino Médio. A fraude é o ensino, e não o ENEM.
Mas a grande fraude – a exclusão dos jovens e as baixas notas do ENEM – não importava para a opinião pública, até que ela ameaçou a lisura da seleção para entrar na universidade. A grande fraude era invisível.
A maior fraude não está na ilegalidade de quebrar o sigilo das provas, mas no péssimo e imoral desempenho dos que nelas passaram.
Se a solução para a fraude menor está em melhorar o sistema de preparação das provas, incluindo o sigilo, a fraude maior só será superada por uma revolução na Educação de Base.
Entre as ações estão a criação de uma Carreira Nacional do Magistério e um Programa Federal que assegure a todas as escolas horário integral, com professores bem formados, bem dedicados, bem remunerados e com acesso aos mais modernos equipamentos.
Felizmente, a sociedade começa a despertar: o movimento “Todos pela Educação” reúne empresários; o “Pacto pela Educação”, promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) reúne cientistas; o “Movimento Nacional pela Educação” reúne os maçons; o “Movimento Educacionista” reúne sobretudo os jovens.
Cristovam Buarque é senador pelo PDT-DF