A eternidade dos passivos tributários

Impressiona, a quem toma conhecimento, o volume de passivos tributários inscritos na Dívida Ativa da União – mais de R$ 700 bilhões, cerca de 1/4 do PIB brasileiro. Caso fossem acrescentados a esse montante os débitos federais em cobrança administrativa e os passivos tributários administrados pelos Estados e Municípios, esse percentual será ainda mais expressivo.

A despeito da presunção de certeza e liquidez para inscrição em dívida ativa, o fato é que, paradoxalmente, esses valores são frequentemente incertos e têm baixíssima liquidez.

A incerteza resulta da incúria na inscrição dos débitos, não raro com falsa imputação de responsabilidade tributária. A falta de liquidez decorre da visível falência dos meios empregados para proceder à cobrança, inclusive a inaptidão das varas fazendárias para executar a tarefa.

Para prevenir fantasias despesistas (boa expressão consagrada pelos dicionários portugueses para caracterizar gastos governamentais inúteis ou exagerados), convém olhar com cautela tão exuberantes números.

É fundamental que se faça uma auditoria minuciosa nos valores inscritos, visando examinar sua legalidade e o quantum devido (muitos débitos foram constituídos a partir de esdrúxulas conversões das muitas moedas com que temos convivido nos últimos vinte anos). A administração fiscal tem o dever de sanar esses erros, sob pena de tornar ilegítimo seu poder de cobrar. Deve também, por óbvias razões, fazer a identificação precisa do devedor (endereço e patrimônio).

Essas providências se situam na órbita administrativa; outras, todavia, demandariam mudanças legislativas. Parece razoável admitir aperfeiçoamentos nas normas aplicáveis à matéria. As varas fazendárias, por exemplo, deveriam ter sua competência restrita à função judicante na execução fiscal, jamais cuidando de efetivar cobranças – tarefa para a qual não tem vocação, nem instrumentos eficazes. Cobrança é função claramente administrativa. Nada justifica que precatórios próprios ou de terceiros não possam ser utilizados como meio para extinção de crédito tributário inscrito em dívida ativa, pois, ambos, ao menos no plano abstrato, gozam da mesma presunção de certeza e liquidez.

No âmbito da liquidação de passivos tributários é muito usual no Brasil o recurso ao parcelamento de dívidas. Esse instituto não se revela eficiente por múltiplas razões.

Primeiro, porque está, muitas vezes, desarrazoadamente associado a anistias ou remissões. Essa combinação só excepcionalmente deveria ser adotada, como nos casos de transação.

De outra parte, parcelamentos quase sempre são fixados em parcelas iguais (considerados os juros compensatórios) e prazos determinados. Nessa hipótese, quase sempre são inócuos. O contribuinte amortiza o débito em função de sua capacidade de pagamento, que é variável no tempo, por força de sazonalidade ou circunstâncias de mercado. Salta à vista que não se paga o que ultrapassa a capacidade de pagamento do devedor. As instituições financeiras bem sabem disso.

Parcelamentos têm que estar vinculados à receita bruta do contribuinte. Quando os prazos, em virtude desse regramento, se tornam demasiado longos, resta apenas a evidência que o contribuinte é insolvente, demandando por conseqüência outros meios para dar o curso ao negócio. É claro que essa modalidade de parcelamento requer cuidados especiais quanto à prevenção de atos tendentes a subtrair receita e à constituição de garantias, nelas incluídos os bens pessoais dos sócios.

Por último, seria recomendável que o CTN fixasse critérios gerais para a matéria, elidindo os famigerados parcelamentos especiais que sobrevêm inopinadamente, ainda que constituam uma permanente expectativa dos contribuintes, favorecendo, por essa razão, a inadimplência fiscal.

Recentemente, o Governo Federal editou as MPs nº 449 e nº457, tratando de parcelamentos de passivos tributários: a primeira delas destinada a pessoas jurídicas de direito privado, com especial atenção para as que se valeram indevidamente de direitos creditórios relativos a alíquota zero e não-incidência de IPI; a outra, voltada para débitos previdenciários de Municípios.

Ambas voltam a incidir no mesmo erro de parcelar os débitos, segundo parcelas iguais e prazo determinado. Serão infrutíferas, sem lugar a dúvidas. Os beneficiários ficarão à espera de futuros parcelamentos.

No caso específico da MP nº 457, os Municípios poderão ser vítimas de débitos indevidamente consolidados. O Supremo Tribunal Federal editou súmula vinculante em que reconhece o prazo de cinco anos, para decadência e prescrição dos débitos previdenciários. Ocorre que os valores consolidados não foram ainda revistos nos termos dessa súmula. Seria prudente que o Congresso Nacional limitasse o pagamento mensal a parcela correspondente a 1% das transferências à conta do FPM, até que houvesse uma nova consolidação desses passivos.

 

Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal

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