Do CONSULTOR JURÍDICO por Marcelo Auler
A recusa da presidente Dilma Rousseff em nomear o juiz federal Aluísio Gonçalves de Castro Mendes a desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo), em abril, teve um motivo mais prosaico do que as várias teses que foram levantadas no meio jurídico. Ela simplesmente rejeitou promovê-lo ao se deparar com o nome do deputado federal Jair Bolsonaro entre os políticos fluminenses e capixabas que assinaram a lista de apoio ao candidato. Em consequência, promoveu o juiz federal Marcelo Pereira da Silva – o segundo da lista tríplice – à vaga que todos davam como certo que se destinava a Castro Mendes, o primeiro da lista enviada pelo TRF-2 à Presidência da República e o único nome que constava pela terceira vez.
Bolsonaro, oficial reformado do Exército, ficou famoso quando preparou, em 1987, um plano para explodir bombas em quartéis e locais estratégicos, como a Adutora de Guandu, no Rio de Janeiro, segundo a revista Veja. Anos antes, facções do Exército já haviam executado planos parecidos para culpar a esquerda e justificar a manutenção da ditadura militar. O plano de Bolsonaro visava garantir aumentos salariais para as Forças Armadas.
Reconhecidamente um político de direita, ele protagonizou na tribuna da Câmara os mais virulentos discursos contra o passado político e a própria honra da presidente. Em junho de 2005, quando Dilma foi nomeada chefe da Casa Civil da Presidência em substituição a José Dirceu, o deputado afirmou em discurso que pesou para a indicação “seu passado de integrante da quadrilha que assaltou, no Rio de Janeiro, a casa de uma mulher muito íntima de Adhemar de Barros, levando dois milhões e meio de dólares. Cumprimento o Presidente Lula por ter nomeado para a Casa Civil uma pessoa técnica, especialista em assalto e furto”.
Os ataques não se limitaram à questão política. Também atingiram a honra da mulher Dilma. Após acusá-la de ser amante do ex-governador paulista, o parlamentar, em tom de ameaça, partiu pra o baixo nível: “Dilma Rousseff, por enquanto, não falarei do seu passado nesta Casa. Se tentar reagir, exporei seu passado. A tortura que S. Exa. sofreu foi fruto de abstinência. Brevemente, falarei a respeito disso aqui”.
Por conta da rejeição do nome de Castro Mendes, entidades representativas dos magistrados — AMB, Ajufe e Ajufes — ingressaram com Mandado de Segurança no Supremo Tribunal Federal. Uma liminar concedida pelo relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, impediu a posse de Pereira da Silva. No Mandado eles querem que o STF garanta a promoção de Castro Mendes, sob a alegação de que a Constituição determina a automática nomeação daquele que aparecer três vezes na lista tríplice preparada pelo respectivo tribunal. Esta tese é combatida pela Advocacia Geral da União (AGU) na contestação ao Mandado de Segurança.
Lista de apoio
A busca de apoios políticos por parte dos juízes indicados para tribunais é uma praxe, embora a nomeação, teoricamente, seja por merecimento. Ainda assim, os candidatos recorrem ao apoio, através de listas de assinaturas. Esta praxe, segundo juízes, vem da época em que na lista de indicados nenhum nome constava pela terceira vez, o que não foi o caso. Os tribunais, forçando uma interpretação da Constituição, passaram a repetir os nomes e insistem na tese da obrigatoriedade da nomeação daquele que aparece três vezes seguidas nas listas. Por conta disto, no meio jurídico imaginava-se que já não se fazia necessário a busca de respaldo político.
O juiz federal Castro Mendes soube do real motivo à rejeição de seu nome por um amigo que tem trânsito com autoridades federais. Ficou bastante preocupado, até porque, como explicou em conversas reservadas, não mantém nenhum tipo de relacionamento com o deputado Bolsonaro, tampouco comunga de suas posições políticas. O apoio de Bolsonaro, conforme levantou a reportagem da ConJur, foi obtido junto com o do restante da bancada do Rio. Quem se encarregou de colher as assinaturas foi o deputado Hugo Leal (PSC-RJ), conforme se recorda o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). Assinaram a lista não apenas os deputados federais do Rio, mas também os do Espírito Santo, bem como os seis senadores e os governadores dos dois estados.
Leal admite ter recolhido as assinaturas como coordenador da bancada. “Eu não conhecia o juiz, mas o apoio me foi pedido pelo pessoal da bancada do Espírito Santo. Como ele era o primeiro da lista, me senti à vontade para buscar as assinaturas”. Ao saber dos motivos da rejeição da presidente em promover Castro Mendes, Leal, considerou “estarrecedor e preocupante”, ao mesmo tempo em que questionou: “Então por que o Belize (Marco Aurélio Belize, recém-empossado ministro do STJ) foi nomeado? O Bolsonaro também o apoiou”.
O juiz Castro Mendes sequer esteve com Bolsonaro individualmente, como admite o próprio parlamentar que se recorda que o pedido de Leal para que assinasse foi feito dentro do plenário. Ele explica que nem sempre concorda em participar destas listas, mas quando o faz alerta ao solicitante que seu nome pode criar problemas: “Desde o governo de FHC que eu digo que meu nome pode não ajudar, pode até queimar a indicação. Eu avisei ao Leal”. Para Bolsonaro, o fato de a presidente ter recusado a nomeação por conta do seu apoio “só demonstra fraqueza da parte dela e total desconhecimento da vida parlamentar”. Também Alencar critica a decisão da presidente: “O apoio não foi de um deputado, mas da bancada como um todo”.
A prática de colher assinaturas no Congresso é tão comum que existem profissionais nessa especialidade. Muitas vezes providenciada por amigos e apoiadores, acontece de o principal beneficiado ficar ao largo do processo.
No meio jurídico fluminense, há um certo espanto com o fato. Alguns se recusam a admitir que o motivo da rejeição ao nome de Castro Mendes tenha sido uma assinatura de apoio político. O juiz é considerado um ótimo quadro do Judiciário, muito bem preparado e capacitado. Por isto que entre os seus pares há quem estranhe esta prática de se recorrer apoio político, quando a nomeação deveria ser exclusivamente por merecimento, sem interferência partidária. No caso, o tiro saiu pela culatra, pois o que seria apoio se transformou em atestado de óbito.
Marcelo Auler é jornalista.
Comentário meu: Esse é o tipo do apoio que não se deve querer. Ao contrário. Deve se pedir para que apoie o concorrente. E faz me lembrar uma estória que teria ocorrido num município do nosso interior. Havia uma disputa judicial entre dois comerciantes. Um deles consultou o seu advogado sobre se deveria mandar uma tartaruga de presente para o Juiz. O advogado deu-lhe a maior bronca. Disse-lhe que o Juiz era um homem sério, de respeito e que se ele fizesse isso, com certeza, o Juiz daria ganho de causa ao outro lado. Dias depois o advogado procura o cliente com a boa nova: haviam vencido a causa. O comerciante disse-lhe então: “Eu mandei a tartaruga….” e diante do olhar indignado do advogado, ele concluiu “….. em nome do outro”.