Dependência brutal exige convênios com a União para permitir investimentos
É UMA CONCEPÇÃO DO ESTADO COMO INDUTOR DO DESENVOLVIMENTO, QUE DESCONSIDERA MUNICÍPIOS COMO APTOS A FORMULAR
RUDÁ RICCI, ESPECIAL PARA A FOLHA
As demandas apresentadas pelos gestores municipais durante a Marcha dos Prefeitos, em Brasília, são apenas a face mais visível de um problema bem mais profundo que afeta nosso modelo federativo.
Os municípios tornam-se cada vez mais economicamente dependentes da União, e aos prefeitos resta somente o papel de gerente de programas federais, independentemente de origem partidária ou coloração ideológica. Não é mero acaso.
Estudo de François de Bremaeker, de 2008, mostra que a União deteve 54,18% das receitas públicas, os Estados, 27,7%, e os municípios, 18,12%. Na composição das receitas municipais, as transferências constitucionais ou voluntárias representaram 68,21% do total de recursos.
É nítido que as transferências de recursos da União e dos governos estaduais têm um peso significativo na vida dos municípios. As transferências superam os 75% das receitas, em média, para municípios com população de até 100 mil habitantes.
Uma dependência brutal, que obriga prefeitos a recorrer a convênios com órgãos federais (em menor medida, com governos estaduais) para que possam investir.
DESIGUALDADE
A situação é pior nos municípios mais pobres, que, além de serem mais dependentes, veem a desigualdade aumentar.
Segundo o Observatório da Equidade do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o maior orçamento per capita municipal do país é 41 vezes maior que o menor orçamento. Além disso, os 20% mais pobres recebem das transferências intragovernamentais R$ 850 per capita, e os 20% mais ricos, até R$ 1.700 per capita.
Em relação ao repasse do Fundo de Participação dos Municípios, os 20% mais ricos recebem R$ 289 per capita, e os 20% mais pobres, apenas R$ 190 per capita.
Assim, a inovação municipalista dos anos 1980 e 1990 vai escoando pelos dedos no século 21 -outra demonstração de que crescimento econômico é sinônimo de concentração no Brasil.
Não surpreende que seja assim mesmo em um governo petista. Trata-se, no fundo, de uma concepção do Estado como indutor do desenvolvimento, um demiurgo nacional, que desconsidera os municípios como capazes de formular.
RUDÁ RICCI, 48, sociólogo, doutor em ciências sociais, é membro do Fórum Brasil do Orçamento.
Publicado originariamente na Folha de São Paulo.
Comentário meu: O texto do sociólogo Rudá Ricci permite uma visão do que está acontecendo com os Municípios. Depois de terem sido alçados a condição de entes federados pela Constituição de 1988 vão sendo reduzidos à condição de meros executores de programas federais por força das manipulações do Governo Federal e dos estaduais. Ou seja, vão se transformando em repartições públicas federais. Um bom exemplo disso é o Bolsa Família em que os Municípios fazem todo o trabalho braçal, têm um elevado custo com o programa, mas os méritos são todos do Governo federal.