A guerra da desinformação sobre a Amazônia propicia uma paleta ideal para explorar tensões entre correntes autóctones desenvolvimentistas e pressões conservacionistas internacionais. Tensões que se agravam na medida em que o governo retarda, nos últimos 30 anos – faça-se justiça, a presença de Brasília na região foi marcante de 1966 a 1985 -, soluções definitivas para o trinômio “preservar, investir, desenvolver” aqui proposto em artigo recente. Conflitos em torno do bioma não devem sinalizar necessariamente rendição, capitulação, sujeição de cá e de lá, do Brasil ou das forças internacionais, que defendem uma Amazônia imaculada, novo Éden sobre a Terra, mas o início de um “gentleman’s agreement” em torno do valor estratégico da região e os aportes de recursos compartilhados, internos e externos, essenciais à promoção do crescimento econômico sustentável.
Bertha Becker, em seu livro “Amazônia – Geopolítica na virada do III milênio”, 2004, afirma que, “em nível global, a Amazônia é uma fronteira percebida com espaço a ser preservado para a sobrevivência do planeta”. Coexistem nessa percepção, salienta, “interesses ambientalistas legítimos, e também interesses econômicos e geopolíticos, expressos respectivamente num processo de mercantilização da natureza e de apropriação do poder de decisão dos Estados sobre o uso do território”. Para ela “o Brasil, no século XX, viveu quatro importantes revoluções tecnológicas: a criação da Petrobrás, em 1953; da Embraer, em 1969; da Embrapa, 1973, e a instituição do Proálcool, em 1975”. A quinta revolução tecnológica brasileira, ao que defende, será a da Amazônia. Esta afirmativa me fez recordar o jornalista Joelmir Betting, que, na palestra magna proferida na abertura de uma Feira da Zona Franca de Manaus, em São Paulo, por volta de 1988, enfaticamente, afirmou: enquanto o Brasil está de costas para a Amazônia, a Amazônia encontra-se de frente para o mundo.
Esta, uma percepção fundamental, uma vez que a Amazônia é, de fato, o grande desafio planetário para o século XXI. Embora o governo não se aperceba de forma ampla e resoluta dessa verdade, a região configura uma questão global, regional e, sobretudo, nacional. Como tal, o desafio de promover o seu desenvolvimento reporta-se ao Estado, o condutor natural dos debates reunindo forças políticas, o empresariado, as universidades, os centros de pesquisa e a sociedade organizada. À ciência, tecnologia e inovação cabem, naturalmente, contribuições cruciais no enfrentamento desse desafio. Bertha Becker, em artigo escrito pouco antes de sua morte em julho de 2013, sustenta: “o desafio de transformar o capital natural da Amazônia em ganhos econômicos e sociais de maneira ambientalmente sustentável é singular, pois não existe ‘modelo’ a ser copiado”. Deve, portanto, ser pensado e implementado aqui e agora, responsabilidade direta do governo brasileiro.
O Webinar promovido pela FGV na terça-feira, 27, – Amazônia & Sustentabilidade, é possível conciliar? -, mediado pelo economista Márcio Holland, contou com a participação do cientista Carlos Nobre, da USP, e do empresário Denis Minev, presidente do grupo Bemol. Nobre defendeu a criação de uma Embrapa Amazônia para impulsionar a geração de biotecnologias próprias. Apenas o conhecimento científico, salienta, será capaz de mostrar luz ao fim do túnel sobre transformação das potencialidades de nossa biodiversidade em bioeconomia. Denis Minev, de início lamentou o fato de a região jamais haver constituído uma prioridade nacional em termos de políticas públicas. Tomando por base a cadeia produtiva do açaí – exemplificou -, hoje responsável pelo aporte de cerca de R$1 bilhão de dólares anuais para a Amazônia, defendeu que, identificados outros segmentos de alcance mercadológico internacional de configuração semelhante, a bioeconomia poderia proporcionar, no médio prazo, ganhos anuais bilionários em dólares em benefício da região e da economia nacional. Sumariamente, do que a região precisa para vencer o desafio? Cérebros, decisão política e competente governança do processo, sustenta Minev.