A vacinação contra a Covid-19 em Manaus foi transformada numa guerra das mais sujas de que se tem conhecimento da história do Amazonas. Um tremendo jogo moral, político e eticamente condenável, coberto de sujeira, amundiçamento, emporcalhamento, típicos de um Estado sem lei nem ordem, entregue a governos deslocados da noção elementar de gestão pública. A campanha foi suspensa, retomada, porém marcada por privilégios envolvendo famílias que se entendem acima do bem e do mal. Julgando-se uma elite cultural e política de cujas qualidades não são, efetivamente, e de modo algum dotadas protagonizaram cenas de privilégios espúrios, durante o início da vacinação de jovens filhos de políticos derrotados na campanha passada, mocinhas recém-formadas médicas sem qualquer experiência profissional ou tradição nos complexos meandros da medicina.
Denúncias às fartas foram feitas na imprensa e via redes sociais, sem que conseguissem provocar constrangimentos de porte aos privilegiados ou a suas famílias, acusadas de “furar fila”. Enquanto isso, registra-se incômoda apatia de grande parte da sociedade e dos meios culturais. Ao contrário das representações de classes empresariais, que, exemplarmente vêm agindo acima de suas possibilidades no enorme esforço de suprimento de oxigênio, máscaras de proteção, medicamentos e alimentos, cobrindo imensa lacuna aberta pela inação do poder público, que, em verdade, falha contundentemente no cumprimennto do seu papel político-institucional.
Em exemplar artigo publicado no Estado de São Paulo, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, um militar conhecido por sua ponderabilidade política, afirma que nenhum país do mundo vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil. Um estrago institucional, que agora atingiu as raias da insensatez, está levando o país ao caos. A esta altura, está claro que a pandemia de covid-19 não é só uma questão de saúde: por seu alcance, sempre foi social; pelos seus efeitos, já se tornou econômica; e por suas consequencias pode vir a ser de segurança. Ponto central da questão, avalia Mourão, é a polarização que toma conta da sociedade levando em conta fatores que se radicalizam sob o risco de judicialização do problema sempre pelo mesmo viés.
Segundo Mourão, tornamo-nos assim incapazes do essencial para enfrentar qualquer problema: sentar à mesa, conversar e debater. A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus procedimentos nesta calamidade que vivemos. Opiniões distintas, contrárias e favoráveis ao governo, tanto sobre o isolamento como a retomada da economia, enfim, sobre o enfrentamento da crise, devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação. Sem isso teremos descrédito e reação, deteriorando-se o ambiente de convivência e tolerância que deve vigorar numa democracia. Outro fator essencial diz respeito “à degradação do conhecimento político por quem deveria usá-lo de maneira responsável, governadores, magistrados e legisladores que esquecem que o Brasil não é uma confederação, como os Estados Unidos, mas uma federação”, afirmou o vice-presidente.
Enquanto os países mais importantes do mundo se organizam para enfrentar a pandemia em todas as frentes, de saúde a produção e consumo, aqui, no Brasil, continuamos entregues a estatísticas seletivas, discórdia, corrupção e oportunismo. Há tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades legalmente constituídas, afirmou o vice-presidente da República. A realidade do Amazonas encontra-se irremediavelmente envolta numa guerra sanitária para a qual já perdeu. Governador, prefeitos, deputados, vereadores e autoridades públicas, entidades culturais, a própria imprensa, com efeito, precisam se conscientizar dessa infame realidade enquanto lhes restam alguma dignidade e responsabilidade pública. Do contrário, o fim vergonhoso e irreversível é iminente. A guerra é perdida.