AINDA A QUESTÃO DA ÁGUA.

Leio nos jornais que avançam as tratativas entre o Governo do Estado e Prefeitura de Manaus no sentido de ser alcançada uma solução definitiva para o abastecimento de água nas zonas norte e leste.

Quando isso acontece entendo ser oportuno relembrar fatos  que estão ficando despercebidos, como se não tivessem ocorrido. Já os relembrei mais de uma vez e faço isso, de novo, republicando texto anterior. Dou destaque aos marcados em azul.

Relembremos.

A competência do abastecimento de água é dos municípios, a quem cabe administrar diretamente ou através de concessão.

Nos anos 60, a Prefeitura de Manaus concedeu o serviço à COSAMA, estatal estadual, sem ônus, por 30 anos. Nos anos 90, essa concessão foi renovada.

Em 2000, o então Governador Amazonino  Mendes, alegando que a COSAMA acumulava prejuízos, procurou o então prefeito Alfredo Nascimento propondo uma solução que consistia em leiloar a concessão, o que em outras palavras significa dizer privatizar o serviço por trinta anos.

Do entendimento entre os dois resultou uma lei municipal pela qual a Prefeitura delegou ao Governo do Estado a venda da concessão concordando que do valor apurado 5% fosse para a Prefeitura e 95% para o Governo do Estado. Além disso, foi acordado que a fiscalização do serviço seria feita pela ARSAM, órgão do Governo do Estado, mediante a remuneração de 1% sobre o faturamento da concessionária, mas a aplicação das multas e os reajustes de tarifa seriam apenas propostos pela Agencia cabendo a palavra final ao Prefeito.

A concessão foi vendida a um grupo francês/brasileiro por cerca de 190 milhões de reais, a Prefeitura recebeu cerca de 10 milhões e o Governo do Estado ficou com 180 milhões, isso em números redondos.

Aí aconteceram pelo menos dois grandes equívocos:

● – O primeiro, a onerosidade em espécie, ao invés de em investimentos no serviço com plano claro e definido das obras, seu cronograma, custos e metas.

● – O segundo, se era para ser em dinheiro esse não poderia ter ido para o Governo do Estado, mas sim para o Poder Concedente, no caso, a Prefeitura de Manaus. A realidade, porém, é que foi em dinheiro e esse dinheiro foi 95% para o Governo do Estado do Amazonas.

No contrato ficou escrito que em 2000 a rede de distribuição de água abrangia 91% da cidade, o que não era verdade. E previu o reajuste anual da tarifa mediante IGPM da FGV.

Nos anos seguintes, começaram a cair as fichas. A primeira, da concessionária que comprou um negócio sem as cautelas de praxe. Depois, a da Prefeitura, exatamente porque quando chegou a hora de decretar o reajuste foi que o prefeito viu que o bônus ficou com o Governo do Estado (O DINHEIRO), mas o ônus (REAJUSTAR A TARIFA) ficou com ele. Decidiu que não reajustaria e que a concessionária procurasse o Governo do Estado.

O impasse do reajuste da tarifa durou até 2003 quando a ARSAM atropelou a Prefeitura e concedeu o reajuste, sem que tivesse competência para tal. Em 2004, de novo, a Prefeitura recusou-se  a assinar o reajuste. Desta vez a ARSAM limitou-se a fazer o que está previsto no contrato que mantém com a Prefeitura, qual seja, apresentar os cálculos do reajuste.

Em 2005, eu assumo a Prefeitura e tenho pela frente esse grande imbróglio.  A população reclamando dos serviços e a concessionária sem fazer  os investimentos alegando que a Prefeitura não reajustava a tarifa. Levamos um tempo para levantar toda a situação, entender todas as circunstâncias contratuais, examinar caminhos e soluções.  A primeira avaliação das metas aconteceria em julho de 2006, exatamente quando começava a campanha eleitoral onde Eduardo Braga era candidato à reeleição enfrentando Amazonino Mendes.

A situação era tão grave que foi decretada calamidade pública e a partir daí realizada uma verdadeira operação de guerra pela Prefeitura e Governo do Estado com a perfuração de poços e distribuição de água em carros pipa. A água foi o principal tema daquela eleição.

Passada a eleição, a Prefeitura já tinha acumulado informações e a partir delas feito um diagnóstico para avançar no encaminhamento de uma  solução. Nele a nossa conclusão era simples e objetiva: para resolver o problema não bastava vontade política, era preciso fazer INVESTIMENTOS  e a conjugação de esforços de Prefeitura, Concessionária, Governo do Estado e Governo Federal para viabilizá-los.

Falei com o Presidente Lula que disse estar à disposição e pediu que apresentasse  projetos que ele determinaria o andamento. O governador de então, Eduardo Braga, expressou o desejo de ajudar. Disse-lhe, então, que a forma de ajudar era devolver os recursos que o Governo do Estado recebeu lá atrás – 180 milhões, a preços de 2000, 600 milhões a preços de hoje – em forma de investimentos no sistema.

Nos debates da Prefeitura com a concessionária  chegou-se a uma proposta básica que envolvia o aumento da produção de água na Ponta do Ismael (mais 2.000 litros por segundo), 38 quilômetros de adutoras levando a água até à Cidade Nova, 11 reservatórios com 55 milhões de litros, elevatórias e bombas de recalque por conta da concessionária que investiria 140 milhões de reais, cabendo à Prefeitura investir na expansão da rede 60 milhões de reais. Isso permitiria incluir 500 mil pessoas no sistema, segundo as projeções à época.

Quando apresentada essa proposta  ao governador, ele manifestou outra opinião. No entendimento dele, sempre reafirmando que “só quero ajudar”, a solução só viria através de uma nova tomada de água na Ponta das Lajes, o que mais tarde se convencionou chamar de PROAMA.

A partir daí, nós da Prefeitura, chegamos à conclusão que uma coisa não excluiria a outra e que poderíamos avançar nos dois projetos sendo que o nosso seria de curto/médio prazo e o do Estado de médio/longo prazo. Por essa razão desde logo incluímos uma cláusula na repactuação autorizando o PROAMA. Por outro lado, a verdade, para falar o português bem claro, era que ninguém tinha o dinheiro para os investimentos. Nem a Prefeitura, nem o Governo do Estado, muito menos a Concessionária. Dependíamos todos do Governo Federal.

Portanto, é bom que seja relembrado: o PROAMA é a devolução em INVESTIMENTOS no sistema de abastecimento de água de Manaus dos recursos que o Governo do Estado recebeu treze anos atrás em DINHEIRO.

Nesse contexto, o governador de então teve um encontro em Brasília e ao retornar comunicou-me que o Presidente Lula assumira com o ele o compromisso de DAR”  ao Governo do Estado os recursos necessários ao investimento da nova tomada de água, a ser feita na Ponta das Lajes. Na sequencia vieram à Manaus o Ministro das Cidades, Márcio Fortes, e o diretor da CEF, Jorge Hereda, tratar do assunto. Reiteraram tanto ao Governo do Estado, quanto à Prefeitura de Manaus, que apreciariam os projetos e garantiriam os recursos. No entanto, só a presença do vice da Caixa sinalizava claramente que nada seria dado, mas sim, emprestado.

Aí começaram as conversas e a exposições. Lembro-me de uma reunião no Palácio do Planalto coordenada pela então Ministra Dilma Roussef em que Prefeitura de Manaus e Governo do Amazonas expuseram suas propostas. O então governador insistia que só o projeto dele resolveria o problema. Quando apresentei a nossa proposta, a Ministra Dilma ficou boquiaberta em saber que 19% da água produzida pela concessionária vinha de poços artesianos (zonas norte e leste) e questionou a sustentabilidade desse modelo. Expliquei que isso ficava mais complicado ainda com a instabilidade da energia elétrica.

Após várias reuniões, o martelo foi batido. O Governo federal mudou o discurso. Ao invés de “DAR” o dinheiro, decidiu “EMPRESTAR” (qualquer dia conto essa reunião, em Brasília) tanto para o projeto municipal como estadual.

Na repactuação realizada entre a Prefeitura e a concessionária o Governo do Estado foi autorizado a fazer a nova tomada de água participando da solução do problema e devolvendo o dinheiro que havia recebido seis anos antes.

Importante registrar que os bens do sistema de água PERTENCEM ao Município e não à Concessionária. Tudo o que ela investir ao longo da concessão reverterá ao Município quando a concessão se encerrar. Ela apenas opera, mas não é proprietária.

Na sequencia, em 2008, o então titular do Governo do Estado “esqueceu” que o PROAMA era a devolução ao Município dos recursos que o Governo do Estado havia recebido em 2000 e passou a querer mandar na Prefeitura como se o Prefeito não tivesse sido eleito, nem tivesse autonomia  administrativa. Queria tratar o município como se fosse uma secretaria de estado, onde ele mandava e desmandava. Por ele, a concessão seria dividida e a concessionária abriria mão das zonas norte e leste que ficariam com o Governo do Estado. Para a concessionária isso seria o céu: ficava com a operação da área consolidada e teria todas as condições de exigir valores significativos pela quebra do contrato por parte da Prefeitura. Para a Prefeitura isso seria o inferno: além de uma briga judicial, o atropelamento pelo Governo do Estado de suas competências, ou seja, em outras palavras, uma intervenção do Governo do Estado no Município.  A pretensão de mandar na Prefeitura foi rechaçada, com equilíbrio e serenidade.

Para sair do impasse, ficou acordado entre Ministério das Cidades,  Prefeitura, Governo do Estado e concessionária um Termo estabelecendo que quando o PROAMA estivesse pronto as partes sentariam para definir como aconteceria a gestão. Em linhas gerais a produção de água do PROAMA ficaria com o Governo do Estado que a venderia por atacado à Prefeitura/Concessionária. Esse termo tinha validade até 31.12.2010, portanto, caducou.

É importante registrar que essa água serviria de imediato para: 1)- substituir a produção de água pelos poços da própria concessionária nas zonas leste e norte, equivalente a 19% da produção de água da concessionária e 2)- abastecer todo o Distrito Industrial I trazendo para o sistema grande consumidores que hoje são abastecidos por poços próprios. Convenhamos, isso é um filão de ouro a ser explorado.

Antes de avançar na história do PROAMA, é importante registrar que o projeto da Prefeitura na repactuação avançou com resultados inquestionáveis, segundo a própria ARSAM, pois mais de 78.000 novos domicílios passaram a ser atendidos pelo sistema, o que significa dizer 390.000 pessoas.

Em 2011/2012, os setores do Governo do Estado responsáveis pelo PROAMA anunciaram que ele estava pronto e só dependia do entendimento com a Prefeitura de Manaus para levar água para as zonas norte e leste.

Não era essa a realidade. O PROAMA não estava pronto, eram necessários mais 30 milhões de reais para fazer as interligações à rede de distribuição e o preço da água em atacado apresentado à Prefeitura estava acima do praticado pela Concessionária. Além do que, os reservatórios estavam com rachaduras vistas a olho nu.

Naquela altura, o problema maior, a meu ver, no entanto, era a falta de diálogo entre a Prefeitura e o Governo do Estado. Mais precisamente entre o Prefeito de então  e o Governador Omar Aziz, pelo comportamento do mais absoluto descaso do prefeito pelas coisas da cidade.

Hoje, 2013, existem novas circunstancias, principalmente, o desarmar dos espíritos e o elevado espírito público tanto do Governador, quanto do Prefeito, em substituição a guerra de egos de outrora por parte dos outros dois atores.

Não conheço as tratativas sobre o tema, mas por conhecer os dois – Arthur e Omar – tenho certeza que tudo farão para superar as dificuldades tendo como objetivo maior dar solução a um problema crônico nessas duas zonas da cidade que, como já disse antes, só será solucionado com a conjugação de esforços de todos.

Por fim, reitero, torço para que dê certo, e até por isso escrevo este texto agregando informações como forma de contribuir para a solução.