Por Sandro Vaia
Aloprado, para o Houaiss, é amalucado, adoidado, desatinado. Aloprado, para Lula, é o companheiro de partido que faz umas travessuras, algumas molecagens inconseqüentes, com o objetivo final de favorecer o partido a quem o destino encarregou de representar o bem na eterna luta contra o mal.
Que mal pode haver no ato de juntar dinheiro (sem explicar-lhe a origem, claro) para comprar um dossiê onde supostamente se comprovam atos desabonadores de um adversário político numa campanha eleitoral? Tudo vale a pena, ainda que a grana não seja pequena, se for para o bem do partido do bem.
O então presidente foi condescendente com seus correligionários como um pai que finge puxar a orelha do filho que pisou no rabo do gato. Não condenou o ato em si, mas a maneira aloprada como o executaram, sem tomar cuidado para não se deixarem apanhar. Nenhuma palavra contra o ato em si, mas contra a maneira desastrada de fazê-lo.
Aliás, em uma de suas manifestações mais recentes, o ex-presidente Lula disse que todas as vezes em que o PT se meteu em enrascadas ético-morais-operacionais foi por “falta de unidade”. E em razão disso, fez um apelo não em defesa da ética, mas em defesa da união.
Com união, ninguém se deixa apanhar em flagrante. O partido acima de tudo. Da ética inclusive, se necessário for.
Ao fazer uma exposição nesta semana perante a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, o ministro de Ciência e Tecnologia Aloízio Mercadante, que foi acusado pelo seu companheiro de partido Expedito Veloso, em gravação reproduzida pela revista Veja, de ter participado diretamente (como parte interessada, visto que era candidato a governador do Estado, concorrendo com José Serra, que acabaria eleito) da montagem da operação de compra do suposto dossiê, fez o que todos os seus correligionários costumam fazer quando apanhados com a boca na botija: negou tudo.
O ministro recorreu ao passado, quando o STF não encontrou indícios para julgá-lo pela participação na compra do dossiê e solenemente ignorou o fato novo, que era justamente a gravação do “desabafo” do correligionário divulgada pela revista.
E foi além. Tentou dar um tom épico à empreitada. Referindo-se à época da ditadura, disse:
“Naquele período, quem estava dentro de uma organização achava que tinha o direito de fazer o que tivesse de fazer para cumprir seu papel histórico”. Os militantes do PT, segundo ele, achavam que estavam cumprindo uma “missão heróica” no caso do dossiê.
Esqueceu de pequenos detalhes. Primeiro: aquele período, ao qual ele se referiu, já acabou há mais de 20 anos. De lá para cá já houve seis eleições diretas para a Presidência da República. Segundo: comprar ilegalmente com dinheiro ilegal um dossiê falso contra um adversário político está mais perto de um crime eleitoral do que de uma “missão heróica”.
Resumo da versão oficial, que irá para o registro da História e para os anais morais do PT: o dossiê foi apenas um desatino de uns amalucados que achavam estar cumprindo um papel histórico. E não se fala mais nisso.
Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez. E.mail: svaia@uol.com.br