Peço licença aos leitores para usar este espaço de maneira diversa do que costumo fazer, com avaliações políticas, discussão dos problemas nacionais e reflexões sobre os caminhos que reputo mais adequados ao nosso Brasil. Isso porque, nesta semana, perdemos o presidente Itamar Franco (1992-1995).
Político plural, cujos posicionamentos nos momentos decisivos da história do Brasil nunca seguiram cartilhas, Itamar despertou a urgência do elogio em líderes de inclinações políticas das mais heterogêneas —elogio dedicado, principalmente, a suas notórias lhaneza e transparência à frente dos governos do Brasil e de Minas Gerais, que ocupou com grande desenvoltura.
Destaco, primeiro, sua marcante solidariedade e apoio que me dedicou em todos momentos de dificuldade, relevando-se sempre presente.
Gostaria, porém, de dedicar outro tipo de homenagem ao presidente Itamar Franco. Uma homenagem que, infelizmente, não lhe foi permitida em vida: resgatar, ou ao menos tentar, nas “versões oficiais” da história recente brasileira seu papel no processo de estabilização econômica e social da nova democracia.
Vi poucas menções à ocasião de sua morte, por exemplo, a uma decisão política de Itamar que, talvez, tenha sido a maior de sua carreira: logo após assumir a Presidência da República, na esteira do escândalo que derrubou Fernando Collor de Mello, Itamar instituiu a Comissão Especial de Investigação, um grupo que unia governo e sociedade civil para combater a corrupção e fiscalizar o poder.
O grupo foi pioneiro para, pela primeira vez desde a redemocratização, permitir a inclusão dos trabalhadores, por meio dos sindicatos, no debate sobre a administração pública. Uma semente entre tantas outras que, mais tarde, germinaram nos governos que sucederam o seu.
Além disso, o apoio de Itamar foi essencial para a vitória eleitoral do presidente Lula em 2002. Apesar de ter sido lugar comum da cobertura jornalística das eleições do ano passado, o fato de que não existe campanha presidencial vitoriosa sem passar por Minas Gerais já era verdadeira há nove anos, e Itamar, ao lado do também saudoso Zé Alencar, foi peça fundamental para que o Brasil pudesse dar início à era de mudanças cujos resultados o país começa a desfrutar hoje.
Também é verdade que o papel de Itamar na implementação do Plano Real sempre foi subestimado, tendo sido, como presidente, mais que apenas “fiador” do plano. Itamar sempre foi um político que defendeu a importância das Estatais e o nacionalismo.
Nos últimos anos, como opositor dos governos do PT, Itamar também merece destaque: sempre recorreu a um expediente de enfrentamento transparente e nacionalista em sua militância, distanciando-se da oposição belicosa e da irracionalidade presente nas demais lideranças hoje na oposição.
Itamar deixa um grande exemplo a ser seguido para a prática da política no Brasil. Um exemplo que, esperamos, não seja relegado ao segundo plano.
José Dirceu, 65, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT