Por Everardo Maciel
A história dos tributos está profundamente vinculada à própria história da civilização. Sujeição dos vencidos, execução de políticas públicas, construção da fortuna de poderosos, modelação de condutas da sociedade, em tudo o tributo está presente como instrumento de poder. Muitas vezes, estiveram na raiz de grandes acontecimentos históricos. A Revolução Francesa e a Revolução Americana, por exemplo, estão intrinsecamente associadas a questões fiscais.
Em 1791, um deputado, em inflamado discurso na Assembleia Nacional Francesa, teria dito: “fizemos a Revolução apenas para sermos os donos dos impostos”. Felizmente, essa ideia não prosperou. Ao contrário, um dos primeiros atos revolucionários foi estabelecer a isonomia tributária: os impostos incidirão sobre “todos os cidadãos e toda propriedade, da mesma maneira e da mesma forma”.
Do outro lado do Atlântico, os colonos americanos de Boston se insurgiam contra a pesada tributação sobre o chá e lançaram as bases do que viria a ser a guerra pela independência das colônias inglesas na América do Norte.
Lamentavelmente, o nome desse movimento libertário (Tea Party) foi apropriado por um grupo ultraconservador com péssima influência na política norte-americana contemporânea, especialmente no Partido Republicano.
O imposto de renda, tal como se conhece hoje, foi instituído pelo Primeiro-Ministro britânico Willian Pitt, em 1797, para financiar as guerras contra a França, sendo tido, a propósito, como “o imposto que derrotou Napoleão”.
Concebido em caráter temporário, converteu-se em definitivo, o que não é raro na história dos tributos.
No Brasil, a complexa diversidade de tributos retrata claramente disputas no âmbito de um federalismo mal estruturado. Aliás, já tivemos tributos muito pitorescos, como bem assinala José Eduardo Godoy, autor de uma ampla, cuidadosa e pouco divulgada obra sobre a história da tributação: “Conchavo das Farinhas” – obrigação de entregar, em algumas cidades da Bahia, um prato de farinha para alimentar os soldados; “Imposição sobre as Bestas que vêm do Sul” – tributo incidente sobre a importação de gados e cavalgaduras procedentes do Sul, tendo São Paulo como destino; “Imposto dos Solteiros” – adicional do imposto de renda pago pelos solteiros ou viúvos, com mais de 25 anos, sem filhos; “Chapins da Princesa” – tributo pago para custear os sapatos de uma infanta portuguesa.
A ideia do imposto único, tantas vezes lembrado, já foi objeto de um movimento político na Argentina, no início dos anos 1920, contando inclusive com uma revista (“Revista del Impuesto Único”) para propagar suas teses, para qual curiosamente colaborava o escritor brasileiro Monteiro Lobato.
Uma visão fundamentalista religiosa inspirou taxação pesada sobre tudo que significasse desvio da boa conduta, daí resultando os denominados “impostos do pecado” (sin taxes), Incidentes sobre o jogo, o tabaco e a bebida.
Hoje, se sabe que aumento de tributação não é o melhor instrumento para promover mudanças de conduta, porque estimula abertamente a sonegação e o contrabando.
Os países do Leste Europeu, desde os anos 1990, vêm gradualmente acolhendo a heterodoxa tese do flat tax, concebida por Robert Hall e Alvin Rabushka, que consiste em tributar a renda das pessoas físicas mediante simples aplicação de uma alíquota sobre a renda tributável, sem qualquer dedução e nenhuma progressividade. O modelo revelou-se, contudo, eficiente e teve boa acolhida popular.
Na campanha pela Presidência dos Estados Unidos estão surgindo singulares teses tributárias.
Mitt Romney, que pretende a indicação republicana, anunciou que iria eliminar a tributação dos resultados das empresas auferidos no Exterior. Posteriormente, se soube que ele tem aplicações em paraísos fiscais. É preciso esclarecer melhor sua tese.
O Presidente Obama quer aumentar a tributação dos ricos (o “imposto Buffett”, por ter sido proposto pelo milionário Warren Buffett). Não parece, todavia, disposto a reformar a complexa legislação do imposto de renda, carregada de brechas fiscais que fazem a festa dos mais ricos.
Ao contrário do que recomendam os compêndios tributários, Martin Wolf, articulista do “Financial Times”, em artigo recente, sugeriu aumento da tributação do consumo, como um dos meios para salvar o capitalismo, na mesma linha do que estão fazendo os países europeus atingidos pela crise econômica. Todos sabem que a tributação da renda já não é tão eficiente.
A França foi mais longe. Instituiu a tributação sobre a movimentação financeira, tão demonizada nestas terras, tão somente porque não estava catalogada nos manuais dos organismos internacionais. Em boa hora, reduziu a tributação sobre folha de salários. A Alemanha, talvez, siga o mesmo caminho.
Tributos têm uma infinidade de motivações e formas. É um equívoco, portanto, pretender sujeitá-los a dogmatismos ou estrangeirismos de qualquer gênero. Eles são quase sempre balizados por pragmáticas regras de eficácia e eficiência – especialmente em crises.
(*) Everardo Maciel foi Secretário da Receita Federal.