Paulo José Cunha
Agora sei, com precisão, o sentido profundo da expressão “zona eleitoral”. Foi no que se converteu esta eleição, depois de todas as atrocidades cometidas pelos que têm o dever de zelar pela boa aplicação das leis. Nunca antes na história deste país os eleitores chegarão diante da urna eletrônica com tantas dúvidas sobre o destino de seu voto.
A primeira apreensão antecede o próprio voto. A decisão tomada às vésperas do pleito cancelando a exigência do título e mantendo a exigência do documento com foto é de uma extravagância que chega a ser surreal. Desde que o menino aprende a falar que lhe dizem que pra ser eleitor é necessário ter o título eleitoral. Com ele na mão fomos às urnas, em todas as eleições, e dava certo. O título de eleitor já teve foto, e na época do voto de papel foto alguma impedia prática de fraudes. Depois, algum iluminado entendeu que a foto deveria desaparecer, e passamos a votar com o título …sem foto. O PT levantou junto ao Supremo a necessidade de se apresentar documento com foto, além do título, para se poder ir às urnas, alegando que isso evitaria fraudes. Depois, ao perceber que havia dado um tiro no pé porque muitos dos eleitores menos escolarizados – que formam a maioria do eleitorado da companheira – poderia não comparecer levando o tal documento com foto, o mesmo PT volta atrás e solicita ao STF que anule a exigência. O tribunal, surpreendentemente, mantém a exigência do documento com foto e anuncia que não se exige mais… o título. Quá! Isso depois de realizar uma enorme campanha frisando a necessidade dos dois documentos (quanto custou esse troço?), realizada pelo rádio e pela televisão. Na última hora, teve de bancar outra campanha (quanto custou o conserto desse troço?), desta vez pra desfazer a anterior e dizer que não é mais exigido o título. Caraca, que doideira! Alguém aí me diga: precisava da segunda campanha, se há dezenas de anos temos ido às seções eleitorais levando o título? Ora, levar o documento com foto já estava implícito na campanha anterior, né não?
Mas o buraco é mais embaixo. Ao não decidir sobre a aplicação da lei da ficha limpa nestas eleições o STF abdicou de suas funções. O nome que ele ostenta – “Supremo” – tem uma razão de ser. Significa entre outras coisas que, quando não se decide na instância inferior, cabe a ele decidir. E é parte dos encargos de seu Presidente usar o voto de minerva pra resolver uma causa quando se chega ao empate. Faz parte dos ônus de ser presidente arcar com a responsabilidade do voto de minerva e bater o martelo, duela a quien duela. Por isso é kafkaniano o presidente do Supremo alegar que não tem elementos pra decidir e dizer que vai esperar o 11º ministro assumir. Mais: em qualquer situação de impasse na justiça, vale o que foi decidido pela instância inferior, no caso, o TSE. O pior é que não se decidiu nem por uma nem por outra coisa. E ficou por isso mesmo.
Mas o buraco é ainda mais embaixo: diante de tanta insegurança jurídica instalada por quem devia justamente afastar a insegurança, neste exato momento não se sabe o destino do voto dado aos candidatos acusados de ficha suja, cujos processos ainda não foram julgados. O caso Weslian Roriz é emblemático. Claro que irá recorrer às instâncias superiores, em caso de decisão desfavorável ao registro da candidatura. Os votos dados a ela, se não puder ter o caso dirimido a tempo, vão ficar guardados. Mas, se ela tiver votos suficientes pra levar pleito ao segundo turno, haverá segundo turno? Quando? Ou Agnelo, seu adversário, assumirá o governo , e depois da recontagem é que vai ficar sabendo se vai continuar governando ou se vai participar de nova eleição em segundo turno? Que zona, heim!
Mais uma dúvida: ficou assentado que um puxador de votos – Maluf, pra ficar num ótimo exemplo – que tenha seu registro cassado, perderá todos os votos que conquistou e os que serviram pra eleger os demais candidatos da mesma coligação. Ou seja, se Maluf cair, cai todo mundo que se elegeu na carona dele. Mas a própria justiça eleitoral havia decidido, anos atrás, que o mandato pertence ao partido. Infere-se que o voto é da legenda, e é por isso os votos dados a Maluf – como os votos dados a Enéas – ajudam a eleger outros candidatos. É plausível que a coligação de Maluf vá à justiça exigir o cumprimento do que a própria justiça já assentou como regra. E exija de volta as vagas conquistadas. Se vai conseguir é outra história. Mas a confusão está formada.
Em síntese: título de eleitor não serve pra votar, mas é bom guardar porque pode ser exigido pra… fazer concurso público! Votar num candidato sub judice pode significar voto na lata de lixo. E candidato beneficiado pelo voto de legenda dado a um grande puxador de votos pode bailar na curva. Ou não, como diria Caetano…
Eu, heim! Como diz a molecada aqui de Brasília: o negócio tá sinistro, véi.