A Suframa, o Titanic e o avestruz

Alfredo MR Lopes (*)

alfredo.lopes@uol.com.br

Na semana em que a Suframa completou 46 anos, o magnata australiano Clive Palmer anunciou ao mundo a construção de uma réplica atualizada do Titanic, o lendário navio irlandês que fez história, filme e fortunas. Um transatlântico da Classe Olimpic, construído nos estaleiros da Irlanda, o maior navio de passageiros do mundo, até então, considerado inafundável, até a noite de sua viagem inaugural, entre Inglaterra e Estados Unidos, em abril de 1912. Naquela madrugada, teria atingido um iceberg, que causou um rombo jamais confirmado, e que o levou a pique em menos de três horas, matando mais de 1500 dos seus 2240 passageiros, magnatas e celebridades do mundo dos negócios. Não há acordo entre as hipóteses de atentado ou de acidente, mas havia muita gente e muitos interesses relacionados à tragédia.

Lendas e bilheterias desconcertantes à parte, a festa de aniversário da Suframa – de certo ponto de vista, na impressão de muitos dos presentes, pelo regozijo das estatísticas, no contentamento com as previsões e com a vaidade dos acertos que os números adotados sinalizam – fez lembrar o baile glamouroso daquela noite que antecedeu a madrugada fatal. Na descrição épica de James Cameron, o diretor da superprodução que rendeu US$ 2 bilhões, é belíssimo o mar calmo, o céu estrelado, a poesia e a folia a se constituírem razões abundantes de espocar espumantes de Champagne, da mais requintada procedência francesa, pra simbolizar a perenidade do fausto, como imaginavam os velhos coronéis de barranco no próspero beiradão amazônico nos anos de folia e pujança do látex.

Não importa relatar/confirmar a ocorrência ou não do iceberg a interromper tragicamente a festa imodesta e triunfal do Titanic. No caso da Suframa, ele se chama dever de casa e sua postergação sistemática apenas reafirma a iminência da colisão. No final do governo Lula, há dois anos, fomos convidados a passear na floresta à procurar o curupira da “base ecológica” do modelo ZFM, um script desprovido de roteiro mas recheado de intenções de partilhar as vantagens fiscais do modelo com o estado do ministro que responde pela autarquia aniversariante. E pelo projeto político de ocupar a hegemonia eleitoral paulista. Na ocasião, tablets, modens, monitores estavam na mira da partilha fiscal com perspectiva politico-eleitoral, lembra? Não é porque alguém é paranóico que as outras p essoas vão deixar de persegui-lo.

Fui aconselhado por um irmão muito querido a reclamar menos e a elogiar um pouco mais os acertos, para motivar o poder público a seguir a trilha das ações proativas. Mesmo entendendo as razões e a estratégia do conselho, e reconhecendo o talento, a obstinaçào e os avanços da gestão atual, é complicado fazer festa com resultados apressados de um otimismo estéril, que passa, por exemplo, a descrever em real – sem ajustes nem correções – um desempenho que adotava o dólar pela simples razão dessa moeda balizar historicamente as transações com o mercado de insumos, o forte da produção do polo industrial local. Mudar a moeda para destacar números absolutos, sem ajustar valores e atualizar depreciação i nflacionária, em muitos dados, significa recusar as evidências de um esvaziamento em processo, que adota o paradigma avestruz de descrição do real. Cabem elogios a um baile esfuziante, com a adesão obsequiosa de políticos, técnicos, economistas e gestores públicos, estranhamente concordes com a celebração perenal, sem crítica à escassez da infraestrutura de transportes, energia e comunicação? Como engolir a indignação com a promessa continuamente descumprida do modelo de gestão do Centro de Biotecnologia da Amazônia, da protelação do marco regulatório e do processo produtivo básico dos demais polos de diversificação e interiorização da economia? Parodiando a canção que embala o confronto do iceberg com o casco do Titanic, ”….o amor – assim como a teimosia – pode nos tocar uma vez na vida , e durar para sempre, sem nos deixar, até morrermos”. Fazer o que?

(*) Alfredo é filósofo e ensaísta.