Processo 31.760-98.2011.4.01.3400 – Ação Civil Pública – Improbidade Administrativa –
Classe 7300
Requerente : Ministério Público Federal
Requerido : Luiz Fernando Corrêa e Outros
Juiz Federal : Antonio Claudio Macedo da Silva
S E N T E N Ç A
I – RELATÓRIO.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL propõe AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA, com pedido de medida liminar, em desfavor de LUIZ FERNANDO CORRÊA e OUTROS, objetivando: “a) a decretação liminar da indisponibilidade dos bens pertencentes aosrequeridos, nos termos dos artigos 7º e 16 da Lei nº 8.429/92, até o montante de R$ 17.982.884,56 (dezessete milhões, novecentos e oitenta e dois mil, oitocentos e oitenta e quatro reais e cinqüenta eseis centavos)…; b) a condenação de todos os réus nas penas do art. 12, inciso II, da Lei nº 8.429/92, a serem delimitadas em sentença, pela prática dos atos de improbidade administrativa descritos nesta peça; c) a condenação solidária de todos os réus a pagar ao erário, a título de ressarcimento, a diferença entre os preços praticados e os valores de mercado, apurada em R$ 17.982.884,56, a serem devidamente atualizados e corrigidos.” (sic. fls. 35).
Afirma, em síntese, a peça vestibular, que os requeridos, em conluio, praticando atos de improbidade administrativa, fizeram com que a Administração Pública adquirisse, no âmbito do Contrato nº 25/2007-CGL/SPOA/SE/MJ, de 13 de fevereiro de 2007, que tratou da aquisição de solução integrada em Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC, equipamentos, serviços, softwares, licenças, etc, voltados para as Ações de Inteligência dos Jogos Pan-Americanos de 2007, por preço superior ao mercado, resultando em um sobrepreço da ordem de R$ 17.982.884,56 (dezessete milhões, novecentos e oitenta e dois mil, oitocentos e oitenta e quatro reais e cinqüenta e seis centavos).
Alega que o sobrepreço foi constatado por perícia oficial, levada a efeito por peritos do Instituto Nacional de Criminalística do Departamento de Polícia Federal, no âmbito do inquérito civil público nº 1.16.000.000475/2007-65.
Diz, ainda, que, na verificação da compatibilidade dos preços praticados com os valores de mercado, os peritos adotaram extrema cautela, somente atestando o sobrepreço nas hipóteses em que era possível discernir, de forma indene de dúvidas, que os preços do contrato efetivamente encontravam-se consideravelmente superiores aos valores passíveis de serem encontrados no mercado.
Entendendo, assim, restar comprovada a conduta dolosa dos requeridos a ensejar a imediata reparação dos prejuízos causados à Pública Administração, pugna o MPF pelo processamento da actio e conseqüente condenação dos réus por atos de improbidade administrativa.
Por despacho de fls. 100, determinei a notificação dos requeridos para que se manifestassem em sede de defesa prévia, a teor do disposto no art. 17, §§ 7º e 8º, da Lei 8.429/92.
Em resposta, os requeridos Luiz Fernando Corrêa e Odécio Rodrigues Carneiro apresentaram manifestação preliminar às fls. 103/137, lastreada pelos documentos de fls. 138/174, alegando, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva ad causam. No mais, alegam que inexistiu ato de improbidade administrativa, pois restou claro que não houve sobrepreço envolvendo o Contrato nº 25/2007, conforme atestado pelo TCU e pela Polícia Federal. Pugnaram, assim, pela improcedência dos pedidos, extinguindo-se o feito in limine et initio litis.
Por sua vez, o Consórcio requerido, formado pelas empresas Motorola Industrial Ltda, Motorola Solutions Inc., Rocha Bressan Engenharia Indústria e Comércio Ltda e Sisgraph Ltda., apresentou manifestação às fls. 176/250, lastreada pelos documentos de fls. 251/803, aduzindo que as questões ora articuladas já foram objeto de fiscalização e investigação pelo TCU e
pela Polícia Federal, os quais atestaram não haver qualquer sobrepreço na execução do contrato em comento.
Sucintamente relatados, decido.
II – FUNDAMENTAÇÃO.
Da análise do arcabouço probatório constante dos autos, observo, malgrado os argumentos deduzidos pelo MPF em sua peça inaugural, que não restaram comprovados os alegados atos de improbidade administrativa apontados aos requeridos, de molde a sequer permitir um juízo de admissibilidade da ação ora intentada, cujo processamento equivale ao constrangimento de uma ação penal contra os requeridos, daí por que se deve aferir com rigor a justa causa para esta demanda, a qual exsurge prematura e desarrazoada.
Com efeito, os requeridos Luiz Fernando Corrêa e Odécio Rodrigues Carneiro
comprovaram, por meio dos documentos juntados com a manifestação prévia, que não foram os responsáveis pela assinatura do contrato com o Consórcio vencedor, e mais, que as licitações, no âmbito do Ministério da Justiça, não são controladas ou gerenciadas pelas pastas que respectivamente ocuparam de Secretário Nacional de Segurança Pública e de Coordenador do Grupo de Trabalho de Tecnologia da Informação para o Panamericano de 2007 e, ainda, que apenas o Coordenador-Geral de Logística, no âmbito daquela pasta Ministerial, é que detém competência para assinar e pagar os contratos.
Além disso, tanto Luiz Fernando Corrêa e Odécio Rodrigues Carneiro, quanto o Consórcio vencedor, comprovaram que o objeto da imputação de improbidade levada a efeito pelo MPF nesta ação já foi apreciado pelo TCU, que, por decisão Plenária, editou o Acórdão nº 720/2011- TCU-Plenário, atestando a inexistência de sobrepreço no Contrato em questão nº 25/2007- CGL/SPOA/SE/MJ.
Também fizeram prova de que, em acolhimento ao relatório do Inquérito Policial nº 0945/2010-4-SR/DPF/DF, o ilustre membro do Parquet Federal, na esfera criminal, entendeu inexistir qualquer prova de sobrepreço na contratação em testilha, requerendo o seu arquivamento.
Por fim, demonstraram os réus que eventuais preços observados em alguns itens acima dos valores de mercado, deve-se ao fato de que no caso de aquisição de solução integrada em tecnologia da informação e comunicação – TIC, como é o caso do pactuado no contrato em comento, os preços envolvidos não podem ser os mesmos de itens avulsos de mercado, vendidos em “prateleiras”, na forma como foi feita a comparação pelo laudo pericial do Instituto Nacional de Criminalística no inquérito civil público, pois os componentes do sistema, tanto hardware quanto software, devem dialogar entre si.
Por outro lado, é cediço que, em ação de improbidade, cabe ao magistrado proceder a juízo de admissibilidade, nos termos do que prevê o §8º do art. 17 da Lei nº 8.429/92.
O juízo de admissibilidade da ação de improbidade é de mera delibação: o magistrado, ao analisar os fatos e as provas insertos na petição inicial e depois de confrontá-los com a defesa prévia dos requeridos, deverá aquilatar se existem indícios de enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou ofensa a princípio administrativo (art. 9º, 10 e 11, c/c com art. 17, §8º, da Lei nº 8.429/92). Por esse motivo, o indeferimento da inicial somente é admissível nas hipóteses em que restar demonstrado, de plano, a completa insubsistência da ação, sobretudo porque o §11 da Lei nº 8.429 dispõe que em “qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de improbidade, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito”.
Nesse sentido, lecionam Rogério Pacheco Alves e Emerson Garcia:
“Ao aludir o §8 à ‘rejeição da ação’ pelo juiz quando convencido da ‘inexistência do ato de improbidade’, instituiu-se hipótese de julgamento antecipado da lide (julgamento de mérito), o que, a nosso juízo, até pelas razões acima expostas, só deve ocorrer quando cabalmente demonstrada, pela resposta do notificado, a inexistência do fato ou sua não-concorrência para o dano ao patrimônio público. Do contrário, se terá por ferido o direito à prova do alegado no curso do processo (art. 5º, LV) e esvaziando-se, no plano fático, o direito constitucional de ação (art. 5º, XXXV) e impondo-se a absolvição liminar sem processo.
Relembre-se, mais uma vez, que o momento preambular, antecedente ao recebimento da inicial, não se volta a um exame aprofundado da causa petendi exposta pelo autor em sua vestibular, servindo precipuamente, como já dito, como instrumento de defesa da própria jurisdição, evitando lides temerárias. Poderíamos afirmar, sem medo, que, tal como se verifica na seara processual penal, deve o Magistrado, neste momento, servir-se do princípio in dubio pro societate, não coartando, de forma perigosa, a possibilidade de êxito do autor em comprovar, durante o processo, o alegado na inicial”.
Garcia, Emerson e Alves, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, 3ª ed., Lumen Juris Editora, Rio de Janeiro, 2006, p.727.
Assim como no processo penal, exige-se um mínimo de justa causa para o recebimento da ação de improbidade. Esse requisito não se encontra presente no caso em tela, interditando sequer a possibilidade de aplicação do princípio in dubio pro societate.
Com efeito, a análise da petição inicial e dos documentos que a instruem, em cotejo com os esclarecimentos e provas apresentados juntamente com as defesas prévias dos requeridos, revela não existir qualquer dado concreto, ou mesmo prova indiciária, que permitam inferir sobre a efetiva existência das supostas fraudes relacionadas à execução do contrato em referência.
Em outras palavras, ficou esclarecido nos autos que as condutas descritas na inicial como atos de improbidade praticados pelos réus não importaram em atos que ocasionassem lesão ao patrimônio público ou enriquecimento ilícito ou atentassem contra os princípios da Administração Pública. Assim, nada justifica a provocação do Judiciário a fim de levar a cabo uma suposta prática de improbidade, cujos indícios são meras afirmações genéricas, fundadas em laudo pouco explicatico, mormente quanto verifica-se ausente o elemento subjetivo da conduta descrita nos arts. 9, 10 e 11, da Lei 8.429/92.
O elemento subjetivo, na forma do dolo, constitui-se na vontade do agente de praticar as condutas descritas na lei como improbas, e, portanto, é elemento essencial na caracterização da improbidade, porque deixa explícita a ilicitude e o desvio de finalidade do ato; entretanto, nas condutas narradas como improbas na inicial, não se mostrou evidenciada a vontade de lesar a administração pública, assim como também não está caracterizada a vontade de praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento, ou retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou qualquer outra intenção capaz de caracterizar as ações como atos ímprobos.
Outrossim, sequer afirma o Parquet Federal ter havido a prática do delito de corrupção, quer ativa, quer passiva, por parte dos réus, auferindo vantagens indevidas, as quais, se existentes, também substanciariam fato típico penal.
Em tais casos, o STJ tem entendido que “… não revestindo de qualquer ilegalidade o ato do agente público, descaracterizado está o ato de improbidade, uma vez que a contrariedade à lei revela-se como requisito do ato ímprobo… A natureza mista da ação de improbidade reclama tipicidade da conduta, sendo certo que a sua ausência implica impossibilidade jurídica do pedido, à semelhança do que ocorre com as hipóteses de rejeição da denúncia, consoante discorreu Cássio Scarpinella Bueno…” (Resp nº 623550/MT, Relator Ministro Luiz Fux, DJU de 15.05.2006, pág. 163).
Por fim, a presente ação somente seria tecnicamente possível se cumulada com pedido de anulação do acórdão do TCU que julgou regular a execução do contrato, sob pena de ferir-se a coisa julgada administrativa, bem como a competência constitucional do Tribunal de Contas da União.
Ademais, os atos de improbidade elencados, vis-à-vis a moldura fática, ensejariam, em tese, se existentes, obrigatória e irrenunciavelmente, a inafastável e correspondente persecução penal, o que, no caso concreto, inexiste, pois o próprio Ministério Público Federal solicitou o arquivamento do correlato inquérito criminal.
Dessa forma, no exercício do juízo de admissibilidade, nos termos em que disciplinado pela lei de regência, tenho que a presente ação não merece prosperar.
III – DISPOSITIVO.
Ante o exposto, com base no §8 do art. 17 da Lei nº 8.429/92, INDEFIRO A INICIAL, e, por conseguinte, REJEITO a presente ação de improbidade administrativa, julgando extinto o processo, sem resolução de mérito, a teor do art. 267, inc. VI, do CPC, ex vi da manifesta ausência de interesse processual, no viés da adequação, em razão da inexistência de justa causa para a actio.
Sem custas e sem honorários, eis que não observada má-fé na atuação do MPF, nos termos do art. 18 da Lei 7.347/85.
Transitada em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Brasília – DF, 22 de fevereiro de 2012.
Antonio Claudio Macedo da Silva
Juiz Federal Titular – 8ª. Vara