Sem entrar no mérito da questão em si, mas tenho claro que a leitura e reflexão de todos nós sobre este texto permitirá, pelo menos, entendermos o que está faltando, ou seja, conversa.
Serafim Corrêa
Ministros responsáveis pela economia são otimistas por natureza. É parte das pré-condições do cargo. Sabendo que os juros americanos iam para a lua, e com eles a dívida externa brasileira, Delfim Netto assumiu o leme da economia em 1979 prometendo que o Brasil enfrentaria a crise “crescendo mais”.
Na entrevista publicada na edição dominical do jornal O Estado de S. Paulo, o ministro Paulo Guedes beirou esse espírito panglossiano. Afirmou que o projeto da reforma da previdência teria “explicitamente” o voto de 160 votos, com outros 100 parlamentares apoiando nos bastidores.
“Faltam 48 votos”, proclamou Guedes, numa afirmação que fez virar a curva do Ibovespa e devolver ao mercado o entusiasmo juvenil de estar a 2 passos do paraíso.
É um exagero. Dá para contar nos dedos os parlamentares que se dispuseram a ler o projeto do governo, quanto mais se posicionar a favor. É factível supor que depois de 2 anos de discussão desde o finado projeto de Henrique Meirelles exista massa crítica no Congresso a favor de uma reforma profunda no sistema previdenciário.
Há no entanto divergências gritantes sobe quem deve pagar a conta do deficit. Todos querem a reforma contanto que ela não afete os seus próprios vencimentos. Nessa disputa fraticida, o valor de R$ 1 trilhão preconizados pelo ministro Guedes como valor mínimo a ser poupado pela reforma da previdência é uma miragem.
O otimismo dos ministros econômicos é compreensível. Eles lidam com expectativas, substância liquefeita que alimenta os investimentos, as contratações e o consumo. Usado com moderação, o otimismo pode ser a lanterna iluminando o caminho à frente. Mas sem um pé na realidade, as projeções ganham o valor de um horóscopo.
Existe um caminho do meio, seguido por um antecessor de Paulo Guedes em uma circunstância tão dramática quanto a atual. Diplomata de carreira, Rubens Ricupero assumiu o Ministério da Fazenda em 1994 para implantar um plano para controlar a inflação de 2.500% ao ano que ele só conhecia pelos jornais.
O antigo ministro, Fernando Henrique Cardoso, havia deixado o cargo para disputar a Presidência, deixando de legado uma equipe com doses iguais de perspicácia e impertinência e um presidente, Itamar Franco, defensor do congelamento de preços.
Premido entre um presidente e uma equipe econômica que mal se suportavam, Ricupero tomou para si o papel de explicar o novo plano que mudaria o nome da moeda brasileira pela 5ª vez em 8 anos. O ministro viajou o país, dando uma dúzia de entrevistas por dia e conversando com cidadãos comuns.
Falava pausadamente, como um religioso pregando um sermão. Sua figura longilínea e curvada, seu rosto vincado e seu jeito sinceramente humilde transmitiam uma credibilidade inalcançável aos políticos. Fazia analogias fáceis de serem compreendidas, como comparar a inflação passada com a paisagem vista pelo retrovisor de um carro.
Ricupero tornou-se em pouco tempo o rosto do Plano Real, vaidade que acabou lhe custando o cargo. Historicamente, a sua queda é desimportante. Nos 5 meses em que permaneceu como ministro, Ricupero deu ao Plano Real uma comunicação didática.
A reforma da Previdência é o novo Plano Real. Nenhuma pessoa que saiba as 4 operações nega a urgência de se fazer uma reforma no sistema de pensões, assim como nos anos 90 todos sabiam que o Brasil precisava controlar a inflação. Falta hoje, no entanto, alguém que assuma o papel de evangelista da reforma, que a explique sem arrogância, sem polarização política e de forma simples.
Sem uma comunicação capaz de convencer a sociedade, o projeto de reforma será um remendo a ser refeito em 4 anos, não um plano que promova justiça entre as gerações que já trabalharam, as que estão agora no mercado e as que virão.