A instabilidade constitucional brasileira

Por Franco Junior:

O Supremo Tribunal Federal divulgou que vai julgar o mandado de segurança sobre a possibilidade de alteração, por emenda à constituição, do sistema de governo brasileiro.

Algumas questões precisam ser consideradas a respeito desse tema:

1ª – alguns políticos estão defendendo que a alteração do sistema de governo do presidencialismo para o parlamentarismo é a solução para a atual crise brasileira.
Ø 1.1 Tal argumento demonstra a amnésia e falta de conhecimento da história do Brasil, porque nos dois episódios em que o parlamentarismo foi adotado – Regência e República de Jango – o resultado foi desastroso e revelou a completa incompatibilidade cultural nacional com esse sistema;
Ø 1.2 O argumento revela o desprezo desses políticos com o povo, exclusivo titular do poder (CR, art. 1º, P.U.), porque em 1993 tal mudança foi rejeitada em plebiscito;

2º – o STF decidirá sobre a alteração mediante emenda constitucional.
Ø 2.1 essa possibilidade enseja um absurdo “déficit democrático”, porque teríamos onze pessoas, que não receberam um voto sequer, determinando como devem organizar-se a sociedade e o Estado;
Ø 2.3 o STF estaria desprezando a decisão do povo no plebiscito de 1993. Ou seja, menos de trinta anos, a Corte estaria autorizando a mudança do sistema de governo por emenda, o que, em história da ordem constitucional, significa um tempo insignificante para a Corte constatar uma mutação constitucional;

3º – a ordem constitucional necessita de estabilidade para subsidiar a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Ø 3.1 a alteração do sistema de governo, menos de trinta anos da promulgação da Constituição de 1988 e do plebiscito de 1993, prejudica a estabilidade constitucional, pressuposto para a adequada organização do Estado e da sociedade;
Ø 3.2 alterações constantes na ordem constitucional, inclusive com intervenção de órgãos “despolitizados” e sem representatividade republicana, prejudicam a construção da identidade sociocultural do ordenamento jurídico.

4º – embora o argumento seja exclusivamente técnico, tem-se um equívoco na tese que defende a alteração por emenda constitucional do sistema de governo.
Ø em teoria do poder constituinte, tem-se que as suas prescrições transitórias ou intertemporais, como as definidas nos arts. 2º (plebiscito da forma e sistema de governo) e 3º (revisão constitucional), tem a eficácia jurídica exauriente, ou seja, depois que a regra é aplicada e o seu comando executado no tempo e forma prescritos, o Constituinte derivado reformador não pode restabelecer a eficácia dessas regras por emenda constitucional.
Ø o povo, exclusivo titular do Poder Constituinte Originário, decidiu, através de seus representantes constituintes e mediante a prescrição do ADCT 2º, que a alteração do sistema de governo somente poderia ocorrer no plebiscito de 1993, desautorizando alterações posteriores.

Por fim, é preciso resgatar a teoria do poder constituinte originário do abade Sieyès, para lembrar da resposta à pergunta “Qu’est-ce que le tiers état?”.

Franco Júnior
Advogado
Professor
Especialista em Processo – UFAM
Specializzazione – Università di Pisa/IT
Mestrando em Direito Constitucional e Processo Tributário – PUC/SP