A tragédia da pandemia, no Brasil, tornou visíveis graves patologias no Estado e na Sociedade, que permaneciam disfarçadas pela nossa histórica incapacidade de tratar os problemas com responsabilidade e pela degradação do pouco que existia de empatia.
O Estado, vilipendiado pela corrupção sistêmica e pelo corporativismo, é incapaz de exercer suas responsabilidades mínimas.
A saúde pública, por exemplo, a despeito do honroso esforço dos que nela militam, é ineficiente e dispendiosa. Sua gestão, não raro, se subordina, ao loteamento político, que desagua invariavelmente em escândalos.
Na elite do serviço público, sequer se fez valer a regra constitucional do teto remuneratório.
No Judiciário, são espantosos os artifícios para concessão de gratificações disfarçadas em indenizações para contornar o teto. É inadmissível a concessão de auxílio moradia, quando milhões de brasileiros não têm onde morar ou moram em condições indignas.
No Legislativo, as superlativas cotas para o exercício da atividade parlamentar constituem uma deplorável forma de remuneração, atentatória à pobreza da população.
As repercussões sociais e econômicas da pandemia serão devastadoras. Como, todavia, iremos cobrar sacrifícios de todos, se a elite do serviço público goza de privilégios, antes inaceitáveis e hoje acintosos? O exemplo é uma didática eficaz.
Poucas vezes, em nossa história, o equilíbrio institucional esteve tão ameaçado. A sensatez é espancada diariamente por incontinência verbal ultrajante. As redes sociais são dominadas por ódio e polarização extrema. O vandalismo, mesmo nas atuais circunstâncias, está presente nas ruas.
Tudo faz lembrar o que disse Ortega y Gasset (“Meditações do Quixote”), em 1914: “A moradia íntima dos espanhóis foi tomada a tempo pelo ódio, que permanece ali artilhado, movendo guerra ao mundo”.
Torço vivamente por um desfecho civilizado, mas receio que venhamos a ter graves transtornos.
A hora é de prosseguir com o enfrentamento da pandemia. É falso o dilema entre saúde e emprego. Seria insensato prescrever isolamento social senão como estratégia – não a única – de política sanitária. Ainda que seja óbvio, não esqueçamos que mortos não produzem, nem pagam impostos.
O enfrentamento não pode, entretanto, interditar reflexões sobre o que fazer para além da política sanitária.
Atribui-se ao Marquês de Alorna, resposta dada a Dom José I, rei de Portugal, que indagara sobre o que fazer após o terremoto que, em 1755, devastou Lisboa: “sepultar os mortos e cuidar dos vivos”.
Ainda que nem sempre estejamos sepultando os mortos com a reverência ditada por ancestrais tradições, é preciso recrutar contribuições para o futuro.
Apresso-me em oferecer mais sugestões no campo tributário.
Convém que, imediatamente, se proceda à completa desoneração tributária da produção e distribuição de vacinas. Tal iniciativa dispensa justificações e seria inviável se estivéssemos amordaçados pela infeliz tese da alíquota única e vedação de incentivos.
A administração tributária deveria cuidar da certificação de créditos e prejuízos acumulados, que somados aos precatórios, facultem, no futuro, uma ampla compensação com créditos inscritos em dívida ativa.
Tributos com vencimento postergados de setores debilitados terão que ser parcelados. Sem prazos fixos e anistias, como tem sido habitual, mas vinculados à receita bruta, a exemplo do Refis original (1999), permitindo assim uma convivência flexível com a crise.
É tempo de disciplinar o Bônus de Adimplência Fiscal (Lei nº 10.637 de 2002), que reduz a tributação dos contribuintes que não têm litígio fiscal, estimulando, portanto, uma conduta amistosa, na esteira das sanções premiais preconizadas por Norberto Bobbio. Mais ousadamente, poder-se-ia cogitar da adoção de novas hipóteses para concessão do bônus.
A tarefa futura de reequilibrar as contas fiscais não será fácil e exigirá muita determinação e criatividade. Esse, todavia, será um problema, mais que brasileiro, universal.