A economia Curupira

Por Alfredo MR Lopes:

A primeira menção literária ao mito do Curupira foi feita pelo Padre José de Anchieta, em 1560, ao descrevê-lo  “…sempre com os pés voltados para trás e de prodigiosa força física, engana caçadores e viajantes, fazendo-os perder o rumo certo, transviando-os dentro da floresta, com assobios e sinais falsos.” O mito se presta a ilustrar o debate sobre TSA, as famigeradas e inconstitucionais taxas de serviços administrativos, cobradas pela Suframa, e que voltou às manchetes do país com o resultado judicial milionário, em favor da Gradiente, quanto ao recolhimento indevido. O volume é robusto e foi fruto de uma ação coletiva impetrada pelo CIEAM, o Centro da Indústria do Estado do Amazonas, no bojo de um conflito entre a direção da entidade na época e o ex-superintendente da Suframa Mauro Ricardo Costa(1996 a 1999). A ação obteve êxito, propiciando que empresas recuperem na justiça os valores recolhidos. Um conflito estéril ao interesse público, pois as tais taxas não alcançaram a destinação então pretendida de atender atividades geradoras de emprego e renda nos municípios alcançados pela ação da Suframa.

A Gradiente é apenas um, e o primeiro desta safra, das dezenas de ações que correm(?) na justiça e que, certamente, sairão vitoriosas. Mesmo assim, na lógica da economia Curupira, o Governo Federal, através da Suframa, editou outra Lei, igualmente inconstitucional, para seguir cobrando a tal TSA, sem que as entidades voltassem a  questionar o ilícito. Essa cobrança de taxa não pode ter base de cálculo idêntica à de impostos, diz a Constituição Federal, no Art. 145, inciso II e § 2º. E a ilicitude já foi anotada pela Subprocuradora Geral d a República, em Parecer nos autos do RE-e 556854, no Supremo Tribunal Federal. Desde então, apesar da insistência de Mauro Costa, o volume recolhido passou a ser integralmente tragado pela gulosa máquina tributária, o caixa único do Tesouro. Além de andar pra trás, a lógica Curupira passou a assobiar com falsos alertas e promessas de devolução ou utilização obscura em arraiais de vizinhos ou companheiros empobrecidos. A um custo adicional  de 2% em média sobre valor de cada item com base de cálculo no valor CIF das importações em moeda americana, a TSA virou item da cangalha fiscal e burocrática. Quem suporta trabalhar 5 meses por ano para pagar imposto e gerenciar 30 novas normas tributárias editadas por dia no Brasil, o equivalente a 1,25 por hora? E o que é pior: sem a contrapartida de equipamentos e serviços públicos de qualidade.

Apesar da indignação nacional com os penduricalhos jurídicos, que legitimam qualquer coisa e relativizam ilícitos absolutos, a posição das entidades é ouvir a justiça, e tentar por fim a esta mitologia institucionalizada. Como continuar pagando uma taxa que deixou de ser usada para os fins relevantes em nome dos quais foi constituída?  Há acolhida sobre a continuidade do recolhimento caso se resgate a utilização desses recursos nas finalidades originais de sua cobrança pela Suframa. E há a recusa peremptória de recolher as referidas taxas para contingenciamento dos últimos anos,  na direção de usos e abuso s alheios ao interesse da população dos municípios alcançados pela Zona Franca de Manaus, e das Áreas de Livre Comércio na Amazônia Ocidental e no Estado do Amapá. Recentemente, na publicação do IDH, os indicadores de Desenvolvimento Humano da ONU, nessas áreas foram flagrados os piores municípios do ranking nacional.  Só no Amazonas existem 11 das 50 piores cidades em IDH do país.

Consultar a Justiça significa aferir a equidade, à luz do interesse do cidadão, deste constrangimento fiscal que congela recursos de relevante destinação em nome de desculpas inaceitáveis a despeito do  continuo  sucateamento da Suframa, esvaziamento de suas funções, escassez de seu custeio e exercício de atribuições. É bem verdade que precisamos assumir que não fizemos o dever de casa. Há muito amadorismo e improvisação na gestão dos recursos públicos. Entretanto, é impossível  cobrar do modelo ZFM,  e da autarquia que o gerencia, posturas arrojadas se este modelo foi transformado em escoadouro de recursos para a compulsiva arrecadação fis cal federal? O Estado do Amazonas, acusado de usufruir de generosa renúncia fiscal, possui a terceira maior carga  tributária do país para os empresários de pequeno porte, que tem de reservar 7,8% de seu faturamento para o pagamento de impostos. Não é à toa que as instituições públicas estão sendo, pouco a pouco, dilapidadas à nossa frente, sem qualquer reação daqueles que ainda possuem condições de fazer alguma coisa.

Nesta semana, o Brasil lançou uma ofensiva nos EUA para captar investidores para sua infraestrutura. O encontro aproveitou a passagem da presidente Dilma Rousseff por Nova York, para reunir mais de 300 investidores americanos, canadenses e europeus que ouviram de autoridades brasileiras detalhes sobre o programa brasileiro de concessões. Eles ouviram da presidente a promessa de que respeitará, religiosamente, tudo o que for combinado. Como levar adiante essa certeza da combinação das regras antes do apito inicial, se o modelo ZFM há empresas com projetos aprovados no Conselho de Administração da Suframa e estão há mais de dois anos aguardando a liberação do Processo Produtivo Básico?  É indiscutível que  “…há muito interesse no Brasil”, como afirmou o presidente da instituição financeira que organizou o encontro, ao destacar que a carteira  administrada pelos investidores que participaram do almoço é de cerca de US$ 10 trilhões.

Na economia Curupira, os custos arcados pelas empresas com taxas, impostos e emolumentos são os maiores do mundo e os funcionários da área tributária se transformaram em sumidades, com salários  mais altos do que a contratação de um cientista.  E quando os burocratas fazem a lei, ele próprio vira juiz, e sua repartição uma Corte Suprema. Com direito a imunidade funcional, como a daquele técnico que senta sobre uma licença de PPB, do qual depende a produção, o emprego e a renda de muita gente, meses e anos a fio, e nada acontece, ou fiscal que se compraz em travar a liberação de navios lotados de contêineres, à espera de sua volta de seu almoço que começou há quatro horas… Valha-nos o beato José de Anchieta!!!

Alfredo MR Lopes
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