A CRISE COMEÇA A SER DIDÁTICA

O Brasil vive uma crise que é econômica, mas, também, é política e ética. Todos têm os seus diagnósticos e as soluções mais variadas. O interessante é que a grande maioria propõe saída onde o preço será pago por outro setor, nunca por aquele setor que ele representa. E nessas condições, ao invés de termos um pacto nacional onde cada um pague o seu preço, assistimos a uma luta de corporações em substituição à tradicional luta de classes. Por esse caminho, não chegaremos a nenhum lugar.

Longe de eu dizer, senão incorreria no mesmo equivoco que estou apontando, que tenho o diagnóstico e a solução. Agora tenho a minha visão de mundo, o meu olhar sobre a questão e vislumbro caminhos que serão inevitáveis percorrer. É isso que coloco para a reflexão.

A crise econômica tem um componente importante nas relações internacionais, mas no nosso caso o grande problema está aqui dentro mesmo, a partir de premissas equivocadas que foram se consolidando como se fossem verdade e mais que isso, virando dogmas. Algumas delas: 1 – É possível pagar menos tributos e ter um estado cada vez maior; 2 – É possível contribuir menos para a previdência, viver mais  e aposentar-se mais cedo; 3 – No serviço público não é preciso trabalhar.

Por esses caminhos, pergunto, a conta vai fechar? A meu ver, não. Primeiro porque a carga tributária está na razão direta do tamanho do estado. Segundo porque é insustentável uma  previdência que gaste mais do que arrecada. Terceiro porque o serviço público é para servir ao público e a forma de fazer isso é trabalhando.

Nos últimos cinco anos prevaleceu o raciocínio de que era possível fechar as contas pelos caminhos equivocados que apontei. Deu no que deu. E a consequência mais forte é a volta da inflação, que é o caminho equivocado adotado pelo Governo federal para fechar as contas. E na inflação, nós, os mais velhos, sabemos quem paga a conta: são os mais pobres.

Existe um fato novo, porém, que deve ser considerado: a ascensão de milhões de pessoas nas faixas sociais passando da condição de sobreviventes a de consumidores. E essa nova classe C  adquiriu a consciência, mesmo sem conhecer nada de economia, de que voltando a inflação e ela quem vai perder.

Uma nova correlação de forças está se estabelecendo dentre os atores econômicos o que vai nos levar a ter, não diria uma nova sociedade porque isso leva tempo, mas uma nova realidade em que os cartéis públicos e privados vão ser no mínimo reduzidos. Esse é um processo em curso, no início silencioso, mas em breve barulhento.

Só para ficar num exemplo que mexe com a classe média brasileira, ávida pela casa própria, mas sujeita para transformar o seu sonho em realidade a pagar tributo, o ITBI (público), no valor de 2%, e mais 2% para o Cartório de Notas e outros 2% para o Registro de Imóveis (privados). Até agora, a solução adotada para fugir disso tem sido o contrato de gaveta, mas logo será inevitável a pressão pública para que os dois cartéis reduzam os valores cobrados.

No meu entender, a crise vai provocar a ruptura de cartéis e a quebra de dogmas. Vai ser a revolta dos novos consumidores que não aceitam voltar atrás, pois começam a entender como as coisas funcionam e o preço que todos, mas, principalmente, eles pagam pelo estado grande, cartorial e a serviço de poucos.

A crise começa a ser didática.