Do CONSULTOR JURÍDICO, por Alessandro Cristo:
Depois de dedicar boa parte da vida ao Direito Eleitoral como advogado — função em que serviu ao Partido dos Trabalhadores —, José Antonio Dias Toffoli, o ministro mais novo no Supremo Tribunal Federal, tem agora as regras do jogo nas mãos. Convidado pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), a presidir a comissão responsável por reorganizar o Código Eleitoral de 1965 e todas as leis sobre o tema editadas desde então, o ministro ouvirá, durante os próximos seis meses, juristas, advogados, magistrados e operadores do Direito para elaborar o anteprojeto do novo regulamento.
A primeira reunião aconteceu na última quarta-feira (7/7). A próxima será no dia 3 de agosto, em Brasília, quando os 20 membros definirão o cronograma de atividades, o que inclui audiências públicas nos estados. Segundo o ministro, além de juristas, também serão ouvidos servidores. “Quando falamos em 130 milhões de eleitores indo às urnas, é preciso lembrar da necessidade de recrutar de quatro a cinco milhões de mesários, pessoas que vão trabalhar no processo eleitoral”, diz.
Quem imagina uma grande reforma política, no entanto, pode tirar o cavalo da chuva. Em entrevista concedida à revista Consultor Jurídico durante o II Congresso Brasileiro de Carreiras Jurídicas de Estado, em Brasília, Dias Toffoli revelou que a ideia da comissão não é fazer qualquer alteração na Constituição, o que afasta todas as possibilidades de mudanças profundas, como no sistema partidário.
Isso, no entanto, não diminui a relevância do trabalho, segundo o ministro. As mudanças pretendidas no financiamento de campanhas e nas propagandas partidárias na internet são um exemplo. Para Toffoli, pessoas jurídicas, por não votarem, não poderiam fazer doações, o que fecharia a torneira de onde os principais partidos tiram a maior parte dos recursos. Além disso, se a proposta do ministro prosperar, alianças partidárias terão um teto de gastos por pleito, baseado no número de eleitores que conseguirem. “Isso implica aperfeiçoamento da prestação de contas”, diz. Para ele, a saída é mais equilibrada do que a do financiamento público para as campanhas, que vaga nas conversas parlamentares.
O ministro também não vê na internet um campo de propaganda eleitoral. Em sua interpretação, como a rede não é concessão pública, não se pode dizer que o internauta é simplesmente um receptor de mensagens, mas sim um buscador. “Quando você acessa o blog de alguém, é como se você estivesse entrando, do ponto de vista virtual, na casa de quem você quer visitar. É preciso digitar um endereço”, explica. “Não é à toa que se fala em sítio.”
Evitando comentar sobre casos concretos, como o das multas sofridas pelos atuais candidatos à presidência da República por propaganda eleitoral irregular, Toffoli adiantou não concordar com os prazos vigentes das campanhas. A definição de pré-campanha, segundo ele, também deve passar por uma revisão. “Não adianta tapar o sol com a peneira, dizendo que a campanha começa só em julho, como se os candidatos não fossem se articular”, afirma. “Você não tira da cartola um candidato no dia 30 de junho e aprova numa convenção.”
Segundo ele, não é errado um presidente da República manifestar sua opinião como cidadão, ou participar do processo eleitoral. “Não existe lei que diga que o presidente da República não é cidadão. O que existe são limites. Ele não pode ser candidato a outro cargo sem renunciar seis meses antes”, diz.
Sobre a recém sancionada Lei Ficha Limpa, que proíbe candidatos condenados criminalmente em segundo grau de concorrer, o ministro também foi cauteloso. Segundo ele, já há recursos chegando ao Supremo questionando a norma, e só o Plenário da corte poderá dizer se ela viola ou não o princípio da inocência. “O parágrafo 9º do artigo 14 estabelece que a vida pregressa também é um elemento para ser levado em conta na defesa da liberdade de voto em relação ao abuso do poder político e econômico. Qual então é a leitura que se deve fazer dessa expressão, tendo em vista que a mesma Constituição diz que ninguém é considerado culpado enquanto não houver trânsito em julgado? Esse é o tema que o Supremo vai ter que enfrentar.”
Leia a entrevista.
ConJur — Qual o objetivo da nova comissão organizada no Senado para rever o Código Eleitoral?
José Antônio Dias Toffoli — A comissão é composta de juristas e visa sistematizar a legislação eleitoral, com vistas a atualizá-la e fazer o anteprojeto de um novo Código Eleitoral. Vários diplomas normativos regem as eleições no Brasil. A comissão procurará sistematizar essa legislação em um novo código.
ConJur — Se não vai alterar a Constituição, haverá mudanças profundas?
Dias Toffoli — O objetivo da comissão não é uma reforma política. Não vai se discutir modelos de partidos, nem se tratar de sistema proporcional, porque não se trata de alterar a Constituição. O intuito é sistematizar e atualizar a legislação hoje existente, estabelecendo novas situações em razão dos novos meios de comunicação, como por exemplo a internet. As novas modalidades de campanha eleitoral trazem muitas dúvidas, que acabam sendo resolvidas pelo Judiciário. Existe um vazio legal.
ConJur — Qual é sua avaliação em relação às leis nessa área?
Dias Toffoli — O código hoje vigente é de 1965, outra época histórica, ainda sob a Constituição de 1946 e os atos institucionais iniciais do regime militar, merecendo por isso uma atualização. Ao longo do tempo esse código foi sendo atualizado a cada pleito que ocorria. Em 1997, a Emenda Constitucional 16 introduziu a reeleição. No mesmo ano foi editada a Lei 9.504, uma lei de eleições que se pretendia fosse perene e definitiva. Ao longo dos anos, no entanto, ela vem sendo reformada pelo Congresso Nacional. A legislação relativa a inelegibilidades, que é a Lei Complementar 64, de 1990, também vem recebendo várias alterações, sendo a mais recente feita pela chamada de Lei Ficha Limpa.
ConJur — Quais problemas a comissão pode corrigir, se não vai fazer uma reforma política?
Dias Toffoli — Questões práticas relativas ao processo eleitoral, inclusive do ponto de vista judicial. Existem vários procedimentos judiciais eleitorais diferentes, cada qual com seus prazos específicos e suas consequências, criando circunstâncias não racionais. O direito de resposta tem um rito processual. A representação para retirar propaganda eleitoral irregular tem outro procedimento. O rito pra se impugnar uma candidatura por conta de compra de votos tem outro, assim como a impugnação do registro de uma candidatura. Além desses, o recurso contra expedição do diploma e a ação de impugnação de mandato eletivo também têm procedimentos diversos. Ou seja, não há na legislação eleitoral uma uniformidade processual. Cada nova lei estabelece um novo procedimento, e com isso vão se acumulando as formas de se impugnar, de se contestar. Embora a Justiça Eleitoral dê conta de resolver tudo isso, não há racionalização.
ConJur — O financiamento de campanha está inclusive na pauta dos candidatos à presidência. Que tipo de alteração a comissão pretende debater?
Dias Toffoli — Nós não temos, por exemplo, um teto de gastos para as candidaturas. Essa é uma reflexão talvez até mais importante do que a de uma reforma partidária, do sistema eleitoral. Temos o limite de doações por parte das pessoas físicas e das pessoas jurídicas, mas o candidato é que estabelece o máximo que vai gastar. Isso implica aperfeiçoamento da prestação de contas. Se uma pessoa jurídica não vota, por que pode contribuir em uma campanha? Quem tem título de eleitor é o cidadão pessoa física.
ConJur — Como deveria funcionar?
Dias Toffoli — Não sei se é o caso de se estabelecer a dicotomia entre financiamento privado e financiamento público, que foi a discussão mais recente no parlamento brasileiro. Eu não estabeleceria essa dicotomia, mas sim uma entre pessoa física e pessoa jurídica. A princípio, sou favorável à doação por pessoa física, que é eleitora e exerce o direito que todo cidadão tem de participar do processo político, seja como filiado de um partido, como eleitor, como candidato ou como doador de parte de sua energia, seu recurso financeiro. Ela vai direcionar aquilo para um projeto político, uma ideologia, uma vontade de intervir na sociedade. Tenho inclusive dúvidas quanto a um financiamento público que impeça o cidadão de contribuir com a sua energia em forma de valor monetário para uma campanha. A dúvida, inclusive constitucional, é se não interferiria na liberdade individual. Já as pessoas jurídicas são regidas por um estatuto, seja qual for a sua forma de constituição. Não conheço nenhuma pessoa jurídica que tenha em seu objeto social contribuir com campanha eleitoral. Uma sociedade anônima que tenha ações em bolsas de valores tem acionistas de todo viés partidário. Por que contribuir para uma candidatura A e não para B? É até questionável, do ponto de vista do Direito Econômico, a possibilidade de uma empresa pública fazer doação pra candidatura A, B ou C. A pessoa jurídica não vota. Por que tem interesse em contribuir para uma campanha? Vamos provocar a comissão quanto ao tema.
ConJur — Como acabar com o caixa dois?
Dias Toffoli — Nós podemos seguramente dizer que hoje é difícil haver caixa dois. Somando os valores que os três principais candidatos à presidência da República anunciaram que vão gastar na campanha, dá algo em torno de R$ 400 milhões. Se analisarmos a evolução de custo de campanha, parece realmente que a atual está dentro da realidade. É difícil imaginar que seria possível três candidatos à presidência gastarem mais do que meio bilhão. Não tem, pelo menos na campanha para presidente, na minha impressão, lugar para caixa dois.
ConJur — A maior parte desse valor vai para propaganda.
Dias Toffoli — É bom lembrar também que o próprio parlamento restringiu a propaganda. Não é mais possível doações de camisetas de campanha e outdoor, por exemplo. Na eleição de 1994, o tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão começava a 60 dias das eleições. A partir de 1998, o tempo foi reduzido para 45 dias, ou seja, um quarto do custo da principal despesa de campanha foi reduzido. Ao mesmo tempo, houve aumento nas despesas declaradas e diminuição dos custos. Isso leva a crer que os partidos políticos e candidatos estão levando a sério a prestação de contas.
ConJur — A que isso se deve?
Dias Toffoli — Se analisarmos ao longo das várias eleições desde a primeira campanha presidencial pós-redemocratização, em 1989, a Justiça Eleitoral vem se tornando mais rigorosa nas fiscalizações, com resoluções mais duras em matéria de prestação de contas. Isso se deve a uma cobrança da sociedade, estimulada pelo trabalho que a imprensa faz. Com isso, o parlamento também acabou aprimorando a maneira de se fazer a prestação de contas, e o Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu que aquele que teve contas rejeitadas se tornasse inelegível. Só se aprende a andar de bicicleta subindo na bicicleta. Quando se constatou que havia caixa dois, a sociedade cobrou, a imprensa denunciou, e o Poder Judiciário teve que ser mais rigoroso, como também aconteceu com a compra de votos. Mais de 400 prefeitos já foram cassados no Brasil por compra de votos, o que é significativo para uma lei que existe há dez anos.
ConJur — Os partidos têm participação?
Dias Toffoli — Um vai fiscalizando o outro. Por que há tantas representações no Judiciário? Quantos prefeitos e governadores haviam chegado em segundo lugar nas eleições, mas assumiram o cargo depois? Foi porque fiscalizaram. Não é só o controle do Ministério Público, da Justiça Eleitoral, mas o controle do adversário político.
ConJur — Quais problemas ainda persistem?
Dias Toffoli — Questiono a ausência de um limite de gastos das campanhas eleitorais. Essa é uma grande reforma a ser feita. Quem dá o teto é o próprio candidato. As despesas de campanha estão praticamente imunes ao caixa dois, até porque não é necessário fazer caixa dois. Você pode declarar o limite que quiser. O problema não é o caixa dois, mas a vantagem de quem consegue arrecadar mais. Isso seria diferente se cada candidato só pudesse gastar por eleitor.
ConJur — Por que um político gasta tanto dinheiro pra se eleger?
Dias Toffoli — Eu não tenho a vida política sob o aspecto de que as pessoas são mal intencionadas, como muitas vezes a imprensa faz parecer. A política é um sacerdócio. Trabalhei muitos anos no Congresso Nacional, tive atividades no Poder Executivo e o que verifiquei, em regra, que homens públicos se dedicam 15 ou 16 horas por dia ao trabalho, seja no Legislativo, no Executivo ou no Judiciário. A abnegação de homens públicos de todos os partidos não tem o reconhecimento devido pela sociedade.
ConJur — No caso do uso da internet, houve polêmica em relação a veículos de comunicação. Existe alguma mudança prevista nesse sentido?
Dias Toffoli — Eu sempre tive a ideia de que não há propaganda na internet. A questão passa pelo conceito de propaganda e de meio de comunicação. Quando se quer visitar a casa de alguém, é preciso ir até lá. Quando você acessa o blog de alguém, é como se você estivesse entrando, do ponto de vista virtual, na casa de quem você quer visitar, é preciso digitar um endereço. Não é à toa que se fala em sítio. Em termos de propaganda partidária eleitoral, a campanha vai até o cidadão ou o cidadão é quem liga o computador e acessa o blog ou a página? A internet não é concessão pública.
ConJur — A Advocacia-Geral da União tem defendido o presidente Lula na Justiça Eleitoral quanto à acusação de que declarações suas têm sido propagandas eleitorais irregulares. O argumento usado pela defesa é o de que as declarações foram manifestações de opinião, o que é controverso. É preciso que a lei defina o que é propaganda antecipada?
Dias Toffoli — A comissão terá de discutir a ideia de pré-campanha. Nos Estados Unidos existe uma campanha aberta nas chamadas prévias. Por meio dessas prévias os partidos escolhem os seus candidatos. No Brasil, o eleitor tem direito de votar no presidente, mas acaba votando no candidato que os partidos escolheram, não participa da escolha dos candidatos dos partidos. Existe a necessidade de se discutir o momento em que se deve começar e permitir campanha eleitoral, mesmo que seja aquela em que a sociedade começa a testar. A legislação brasileira tem esse conceito de que nada pode acontecer antes. Mas não adianta tapar o sol com a peneira, dizendo que a campanha começa só em julho, como se os candidatos não fossem se articular, se testar perante a opinião pública. Você não tira da cartola um candidato no dia 30 de junho e aprova numa convenção. Os institutos de pesquisa já passam a registrar suas apurações legalmente no Tribunal Superior Eleitoral a partir do dia 1º de janeiro do ano da eleição. Mas a mesma lei que diz que a campanha só pode começar no dia 5 de julho, diz outra coisa à sociedade e aos institutos de pesquisa. Se aquele cidadão que está sendo objeto de pesquisa vai a um evento ou dá uma entrevista, ele está fazendo campanha?
ConJur — Isso não manteria o Brasil sempre em campanha eleitoral, coisa que o TSE já disse não ser possível?
Dias Toffoli — A disputa pelo poder é permanente. Só uma pessoa sem bom senso para imaginar que a disputa pelo poder é algo que está fora da realidade política.
ConJur — Um presidente da República pode participar do processo eleitoral?
Dias Toffoli — Um presidente da República é um cidadão. Nos limites da lei, ele pode participar. A Constituição é clara: ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa que não existe na lei. Não existe lei que diga que o presidente da República não é cidadão, o que existe são limites. Ele não pode ser candidato a outro cargo sem renunciar seis meses antes.
ConJur — O senhor é a favor do voto obrigatório?
Dias Toffoli — Sim. Entendo que a participação política é um dever do cidadão. Uma nação organizada deve sim instigar e obrigar seu cidadão a participar do processo político eleitoral. Mas ninguém pode ser obrigado a adotar um partido político ou a ter uma linha ideológica. Daí a própria urna eletrônica democraticamente prever o voto nulo. É a tecla de atuação daqueles que são contra a política ou os políticos, ou dos que não se sentem representados por nenhuma candidatura. Mas não é direito do cidadão deixar de ser cidadão. Ser cidadão é um dever, é ter obrigações com o Estado, como o serviço militar obrigatório, ou o voto obrigatório. É um ônus muito barato para se viver uma vida gregária e poder se estabelecer em uma nação livre.
ConJur — Por que?
Dias Toffoli — Nos países onde o voto é livre, as sociedades se despolitizam. Aí sim é que grupos de interesse acabam assumindo o comando. Com o voto obrigatório, todo cidadão se politiza. Eu não tenho medo de dizer que o Brasil tem hoje um eleitor extremamente politizado, e isso inclui aquele mais simples, mais inculto. O Brasil é uma das nações mais politizadas do mundo, e isso se deve primordialmente ao voto obrigatório. O vazio no poder não existe. Se não é ocupado pelo povo, vai ser ocupado por outros interesses.
ConJur — O preso provisório deve votar?
Dias Toffoli — É um direito do preso votar, embora haja dificuldades para operacionalizar essa votação. Sou favorável a que a Justiça Eleitoral leve a urna eletrônica ao preso provisório, porque ele não está condenado definitivamente. Mas o que a sociedade brasileira está discutindo, debate esse que se iniciou com o ministro Gilmar Mendes à frente do Conselho Nacional de Justiça, é o porquê de o Brasil ter tantos presos provisórios, pessoas na cadeia ainda sem condenação. A Justiça mesmo está se encarregando de analisar o problema. O trabalho do CNJ já libertou mais de 20 mil pessoas presas provisoriamente sem necessidade.
ConJur — Qual é a interpretação constitucional correta em relação à inelegibilidade de candidatos, tema da recente Lei Ficha Limpa?
Dias Toffoli — A Constituição Federal, no parágrafo 9º do artigo 14, estabelece que a inelegibilidade tem duas premissas: garantir a liberdade do voto do eleitor contra o abuso de poder econômico e garantir a mesma liberdade contra o abuso de poder político. A Constituição permite que a lei complementar estabeleça o afastamento de determinadas pessoas das eleições. Dentro desses parâmetros, a lei complementar pode estabelecer situações que afastem alguém envolvido em determinadas situações para proteger esses valores. Agora, a Constituição também diz que ninguém pode ser considerado culpado enquanto não houver trânsito em julgado. O parágrafo 9º do artigo 14 estabelece que a vida pregressa também é um elemento para ser levado em conta na defesa da liberdade de voto em relação ao abuso do poder político e econômico. Qual então é a leitura que se deve fazer dessa expressão, tendo em vista que a mesma Constituição diz que ninguém é considerado culpado enquanto não houver trânsito em julgado? Esse é o tema que o Supremo vai ter que enfrentar em agosto, setembro ou outubro, mas com certeza até o fim do ano. Já há alguns recursos chegando.
ConJur — Se não decidir antes das eleições, não vai causar tumulto?
Dias Toffoli — O Judiciário não abre um jornal, não assiste a um programa de televisão ou ouve o rádio e diz: “agora vamos julgar isso, porque é um debate que está posto na sociedade”. O Supremo vai decidir quando houver um recurso que esteja habilitado a ser levado ao Plenário, e hoje não há. Não adianta cobrar do Supremo uma decisão colegiada se ainda não há um processo pronto.
ConJur — Essa judicialização da política é ruim?
Dias Toffoli — Às vezes é bom a gente lembrar da época em que não havia eleições para presidente da República. A disputa acirrada para um cargo de presidente não escandaliza ninguém que tenha vivido 20 anos sem eleições. Ninguém que tenha passado 20 anos sem poder votar vê qualquer escândalo no fato de haver dezenas de representações na Justiça Eleitoral. Ao contrário de escandalizar, isso deve ser aplaudido. É a disputa política dentro das regras do jogo, com um árbitro que é a Justiça Eleitoral.
ConJur — O Judiciário está preparado para receber uma demanda como essa e julgar a tempo?
Dias Toffoli — O Judiciário brasileiro já deu demonstrações de ser o mais preparado do mundo para organizar eleições. Desafio alguém a mostrar que exista um país que tenha Justiça e organização eleitorais melhores que a brasileira.
ConJur — Partidos chamados nanicos cumprem seu papel político?
Dias Toffoli — A pluralidade da representação política faz parte da democracia. O Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão favorável à pluralidade política partidária quando julgou inconstitucional a cláusula de barreira, que levaria à exclusão das minorias da participação política pela via partidária. No Brasil, para se ter acesso ao poder ou as eleições, é necessário ser filiado a um partido político. O partido político, pela organização do sistema democrático brasileiro, é o instrumento de mediação entre o cidadão eleitor e o Estado. Ele é quem media esse acesso ao poder. O Supremo entendeu que limitar a quantidade de partidos políticos, mesmo que seja por meio da restrição ao seu acesso a meios de comunicação, é limitar a participação das minorias na democracia, é impedir que as minorias se façam participantes. Elas podem até perder a eleição, mas têm direito de participar do processo partidário eleitoral e de levar sua mensagem. Até porque há muitos partidos que hoje podem ser nanicos, mas que daqui a dez ou 20 anos podem se tornar um grande partido, caso sua mensagem seja aceita pelo eleitor. Há exemplos de partidos que antigamente tinham dez deputados federais, e hoje têm 90.
ConJur — Como o PT.
Dias Toffoli — Em 1982, o PT tinha seis deputados, e hoje tem 80 ou 90.
ConJur — E a questão da ideologia?
Dias Toffoli — Não se pode querer penalizar o fato de um partido fazer aliança A, B ou C. Essa é uma liberdade partidária.
ConJur — O Tribunal Superior Eleitoral tem sido mais rigoroso ao ter na presunção de irregularidade o necessário para punir?
Dias Toffoli — A Justiça Eleitoral pode divergir na análise dos elementos de prova que tem, mas eu não conheço caso de alguém que tenha sido condenado por presunção.
ConJur — As multas aplicadas contra o presidente Lula se basearam na interpretação subjetiva de que havia mensagens subliminares em favor da candidata do PT nos discursos feitos em eventos.
Dias Toffoli — A análise do conteúdo da mensagem pressupõe um fato, que não é presumido, ele existiu. A Justiça não julga sobre presunção. Julgamento por presunção é um julgamento espúrio. Você partiu de uma premissa errada. A Justiça no Brasil não julga por presunção.
ConJur — Desde sua passagem pela AGU, nota-se um protagonismo maior da advocacia pública. Por consequência, do ponto de vista sindical, também é uma categoria mais reivindicativa. Agora no Supremo, como o senhor enxerga o assunto?
Dias Toffoli — Eu não sei avaliar se é fruto do trabalho que nós fizemos ou não. Na medida em que a instituição passa a ter visibilidade maior, é natural que as suas carreiras e associações representativas sejam mais reconhecidas. Nesse sentido é que talvez se tenha essa percepção de que elas se tornaram mais reivindicadoras. Talvez, no entanto, elas já fossem assim. A instituição ganhou visibilidade perante a sociedade, o Poder Judiciário e o próprio Poder Executivo, na medida em que passou a fazer arbitragens nos conflitos existentes entre as autarquias, fundações, empresas públicas e a União. Esse aumento de visibilidade aconteceu porque ela passou a trabalhar melhor, com uma média mais eficaz, mais inteligente, mais racional. Se nós fizermos um levantamento na imprensa, vamos verificar que a AGU tinha um número de aparições na imprensa dez vezes menor do que tem hoje. Isso foi algo que sempre defendi, que a instituição tinha de ser transparente para a sociedade. Quem faz a mediação dessa transparência é a imprensa.
ConJur — A AGU hoje é mais atuante?
Dias Toffoli — Desenvolvemos na advocacia pública a ênfase à mediação de conflitos, iniciando com a criação da câmara de conciliação entre os órgãos da administração pública que litigam em juízo. A União, que é uma pessoa jurídica, é todo o conjunto do ente da nação brasileira. Quando assumi a AGU, eram 182 autarquias e fundações, fora as mais de 200 sob administração da União. Cada tribunal, a Câmara dos Deputados, o Senado, apesar de não terem personificação jurídica própria, têm legitimidade de postular em juízo. São mais de 500 instituições públicas federais vinculadas a um único chefe de Estado, e todas elas têm conflitos entre si, que viram processos judiciais. Na Constituição, a AGU está como função essencial à Justiça. Não está no capítulo do Poder Executivo, justamente porque a Constituição quis uma instituição para mediar o conflito entre esses vários entes. A primeira coisa que fiz na AGU foi criar a Câmara de Conciliação e Arbitragem entre os entes da administração pública federal. A partir dessa experiência bem sucedida, criamos a Câmara de Conciliação com os estados, a partir de experiência que também foi bem sucedida com os municípios. Em muitos casos, passamos a ter uma atitude conciliatória também com o setor privado em algumas demandas. A advocacia pública trabalha hoje focada em diminuir conflitos. Meu sucessor na AGU, o ministro Luís Inácio Lucena Adams, também é um defensor da conciliação e da resolução de conflitos através de meios não judiciais.