A capa da última edição da revista inglesa The Economist é uma denúncia contundente contra o Brasil.
A revista acusa o governo brasileiro de estar destruindo a maior floresta tropical do planeta, quando deveria protegê-la. Quase em tom de ultimato, a publicação ameaça o Brasil com sanções e boicotes de consumidores e de países importadores de mercadorias produzidas na Amazônia.
A matéria da Economist é o ponto mais elevado da escalada recente promovida por ONGs, organismos multilaterais, mídia nacional e internacional e governos estrangeiros em torno do destino da grande floresta.
O aumento do desmatamento apontado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a posterior demissão do pesquisador Ricardo Galvão, presidente do órgão, esteve no centro da polêmica. Além disso, o governo cogitou abrir as áreas indígenas para a exploração de minérios, posição contestada por organizações ambientalistas e de direitos humanos.
A verdade é que as estatísticas sobre o desmatamento nem sempre separam o desmatamento legal, permitido por lei, daquele realizado ilegalmente. Apresentados sem essa distinção, os números repercutem na imprensa do Sul e do exterior como uma verdadeira tragédia. Já a mineração em terras indígenas, prevista na Constituição e não regulamentada até hoje, é outra possibilidade a melindrar as sensibilidades dos defensores dos direitos humanos daqui e de além-mar, que não se dão conta de que essa exploração já é praticada de forma clandestina pelos próprios índios ou por garimpeiros a eles associados.
Os partidários do governo se defendem ensaiando um tímido discurso nacionalista de defesa da Amazônia e reproduzindo ataques às ONGs interesseiras financiadas por dinheiro externo.
A oposição liberal e de esquerda, em tons variados, faz coro com as pressões internacionais, na lógica nem sempre verdadeira de que o inimigo do meu inimigo é meu aliado.
A Amazônia continua sendo um desafio geopolítico, econômico, social e demográfico ainda não compreendido pelo Brasil, e essa incompreensão está na origem de seu atraso, subdesenvolvimento e vulnerabilidade.
Em 2001, o escritor e consultor de geopolítica e de defesa da ONU e do Ministério de Defesa da França, Pascal Boniface, publicou o livro Les Guerres de demain (As Guerras do amanhã, sem tradução no Brasil), e deu a um dos capítulos o título de Guerras do Meio Ambiente. O cenário mais provável desta guerra, segundo Boniface, seria a Amazônia brasileira, quando potências internacionais interveriam com apoio da ONU, pretextando a negligência do Brasil na proteção da floresta.
Embora Boniface possa ter exagerado na projeção de seu cenário de guerra ambiental, o Brasil não pode subestimar o fato de a Amazônia se encontrar no centro de uma grande controvérsia internacional envolvendo o tema do momento, ou seja, meio ambiente e aquecimento global, com todas as suas implicações econômicas, comerciais e geopolíticas.
Enquanto escrevia este artigo, tomei conhecimento da publicação na prestigiada revista norte-americana de diplomacia Foreign Policy do texto do professor da Universidade de Harvard, Stephen M Walt, com o título provocador: Quem vai invadir o Brasil para salvar a Amazônia?
O professor Walt projeta o cenário imaginário para 2025, quando então os Estados Unidos dariam um ultimato ao Brasil para interromper o desmatamento ou sofreria uma intervenção militar.
Atenção: o presidente da República e seu ministro das Relações Exteriores se consideram aliados dos Estados Unidos e pela aliança estão dispostos a sacrificar os interesses geopolíticos e comerciais do Brasil. Estariam dispostos a também sacrificar a Amazônia?
A ausência e as deficiências do estado brasileiro na região estimulam as ações das organizações não governamentais nacionais e estrangeiras e a sua tentativa de tutelar as populações indígenas, aproveitando-se de sua situação de abandono e de suas enormes carências.
Some-se a isso o surgimento, mesmo que em caráter embrionário, de movimentos “separatistas”, mais como um clamor e denúncia diante do desprezo do poder central pela região.
O agrônomo paraense Ciro Siqueira, editor do blog Ambiente Inteiro é um dos que propõem o debate “vamos conversar sobre a independência da Amazônia”. Ciro redigiu uma espécie de manifesto, que busca inspiração na Cabanagem, movimento popular de caboclos, seringueiros, índios e fazendeiros, que na primeira metade do século XIX chegou a tomar a cidade de Belém e exigiu grande esforço do império para ser debelado.
Ele é da opinião que o confronto atual governo x ONGs, longe de enfraquecer estas, devolveu a elas o discurso da ameaça e do risco das florestas, com o qual atrai o dinheiro e a atenção para sua ação desagregadora.
Em um de seus textos, Ciro registra que ao propor o encerramento do antigo modelo de ocupação que implicava em desmatamento, as ONGs nada propõem para substitui-lo. Segundo ele, ao asfixiar a economia velha, os ambientalistas acabam com os empregos, as expectativas de vida e o futuro dos amazônidas, sem que se implante em seu lugar uma economia sustentável. O resultado é necessariamente a miséria e o conflito social.
Penso que pesa sobre a região amazônica o que denominei maldição de Tordesilhas, traduzida na incapacidade do Brasil de incorporar plenamente ao seu território a área que separava os domínios de Portugal e Espanha pelo tratado de 1494, e que a tenacidade portuguesa veio a integrar à base física do nosso país.
Quase tudo no Brasil permanece a leste de Tordesilhas (linha imaginária que corta o país de norte a sul, a partir de Belém, no estado do Pará, até Laguna, em Santa Catarina): a economia, a infraestrutura, a população, a ciência, quase tudo está a leste.
Principalmente no Norte, restou o que o historiador Craveiro Costa chamou de deserto ocidental, referindo-se à Amazônia. Aí vive a população com a menor expectativa de vida do país, com a menor taxa de saneamento básico, com o maior número de escolas sem água e sem luz. Aí estão capitais de estados que não têm ligação rodoviária ou ferroviária, aí está ainda a completa ausência de infraestrutura para o desenvolvimento, principalmente as infovias. Uma de suas capitais, Boa Vista, sequer está ligada ao Sistema Nacional de distribuição de energia, dependendo da vizinha Venezuela ou de soluções locais.
A defesa da Amazônia e sua plena integração ao Brasil exige um governo de união nacional, que coesione todos os brasileiros e a inteligência do país frente às incompreensões, as cobiças e interesses externos.
Um governo que aposta na divisão dos brasileiros está exposto à impotência interna e ao isolamento externo, e, portanto, limitado no desafio gigantesco de superar a maldição de Tordesilhas e fazer de uma Amazônia desenvolvida e socialmente equilibrada parte indissolúvel da geografia e da sociedade nacional.