Por João Capiberibe.
Ano passado, em 25 de julho, retornei do Bailique comovido e indignado com a dimensão das perdas sofridas pelo seu povo. Sabe-se que esses prejuízos foram causados por intervenções humanas desastrosas sem que ninguém tenha sido responsabilizado até hoje. 700 famílias ribeirinhas, espalhadas em pequenas comunidades pelas ilhas do arquipélago, perderam suas casas e suas vilas perderam seus ancoradouros.
Explico-me ao morador urbano, no Bailique as ruas são passarelas de madeira e os carros são embarcações, portanto, aquele que a água ainda não lhe levou a casa se vê obrigado a improvisar porto para atracar e chegar até ela. É como se de repente nossas ruas desaparecessem soterradas por montanhas de entulhos, e a gente tivesse que improvisar caminho para chegar em nossas casas.
Parti de Macapá na quinta 22, acompanhado de Janete, Camilo, pesquisadores, comunicadores e pessoal de apoio, num total de quinze pessoas, e retornei no domingo 25. Reunimos em cinco comunidades, Limão do Curuá. Itamatatuba, Igarapé Carneiro, Igarapé do Meio e Macedônia, e ainda visitamos Franquinho e Vila Progresso, foram dois dias de intensa convivência com a nova realidade provocada pelo fenômeno das terras caídas. Nosso objetivo, ouvir os moradores e levar a notícia de que o dinheiro da emenda do deputado Camilo já estava na conta da Embrapa, que em breve daria inicio as pesquisas sobre o aproveitamento do pracaxi, cujo azeite é extraído pelas mãos das mulheres da comunidade do Limão do Curuá, delas ouvi, pela primeira vez, que o azeite do pracaxi é comestível.
É urgente se informar e informar sobre à tragédia das 700 famílias do Bailique que perderam suas casas e que suas vilas deixaram de ter porto de embarque e desembarque. Dá pra imaginar tal situação? Pense na metade das casas de Macapá desabando, deixando sua população ao relento! Pois é …foi o que aconteceu e continua acontecendo no arquipélago do Bailique. A enxurrada continua levando suas casas, e sem a presença do poder público, seus moradores estão desorientados na luta para se defender do que chamam de fenômeno das Terras Caídas.
Terras Caídas? Que história é essa?
Explico! A vazante do rio Araguari que antes desaguava no Atlântico dando origem a pororoca, depois da construção de três hidroelétricas em seu leito, perdeu força, sua foz assoreou e a pororoca desapareceu, suas águas encurraladas buscaram outra saída, e encontraram, criadores de búfalos de suas margens ajudaram nessa tarefa. Para encurtar caminho entre suas fazendas e o mercado consumidor de Macapá, usando búfalos e maquinas abriram duas valas estreitas interligando o rio Araguari aos rios Urucurituba e Gurijuba que desaguam no Amazonas. Essas valas inicialmente de pouco mais de cinco metros de largura e pouca profundidade, transformaram-se em rios caudalosos com mais de 500 metros de largura. Essa massa d’água de milhões de metros cúbicos passou a ser despejada no rio Amazonas com enorme impacto sobre as ilhas do arquipélago, provocando erosão acelerada, engolindo as casas dos moradores do Bailique.
Após esse relato é de se imaginar os bailiquenses desanimados com as dificuldades do cotidiano, mas por incrível que pareça, eu os encontrei esperançosos, dispostos a não arredar o pé do lugar em que vivem desde o século XIX, também pude perceber que a coleta do açaí e a pesca do camarão alavancam a economia da região, garantindo a sobrevivência desse povo generoso e destemido que vive nas frágeis ilhas do Bailique, na foz do rio Amazonas.