Henry Kissinger, em “Diplomacia”, usa todo o capítulo quinto para comparar as características de Napoleão 3º e Bismarck. Ainda vale a abertura de Marx (1852) no capítulo 1 do “18 Brumário”: “Hegel observa que os personagens de grande importância na história ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.
Napoleão 3º governou a França por mais de 20 anos (1848-1870), e Bismarck a Prússia e em seguida a Alemanha, com a unificação, por quase 30 anos (1862-1890).
Marcaram estilos e políticas que, reproduzidas hoje, dão razão a Marx.
Kissinger afirma que Napoleão 3º não abria mão de nada para ser popular na França.
Internamente, fez um governo bem-sucedido, com a reforma de Paris e a economia. Mas a sua política externa se desfez.
“Seu desejo de publicidade o levou a impulsionar uma série de objetivos contraditórios”.
Segue: “As ações empreendidas pelo capricho do momento e sem relação com uma estratégia geral não podem sustentar-se indefinidamente, (…) pois o êxito é tão esquivo que os governantes que o perseguem rara vez puderam avaliar seus próprios castigos”.
Napoleão 3º dirigiu sua política externa como os líderes de hoje, diz Kissinger, que medem seus êxitos pela reação dos noticiários de TV. “Ficou prisioneiro do puramente tático, enfocando objetivos de curto prazo e resultados imediatos”.
Kissinger diz que “Napoleão 3º foi precursor de um fenômeno moderno: a figura política que tenta desesperadamente descobrir o que deseja o público. Seu legado para a França foi uma paralisia estratégica”. E finaliza: A tragédia de Napoleão 3º foi que “sua ambição sobrepassou sua capacidade”.
O contraponto com Bismarck marca a dicotomia entre ambos. Bismarck, na sua Realpolitik, atualiza a “raison d’Etat” de Richelieu. Explica Kissinger que “a ordem estabelecida não é capaz de perceber sua própria vulnerabilidade quando a mudança tem um caráter conservador, pois as instituições não são capazes de defender-se de quem esperam que as defendam”.
Bismarck, diz Kissinger, “representou uma política divorciada de todo o sistema de valores”. Para ele, a utilidade vinha por cima da ideologia, e “a vantagem estratégica justificaria o abandono dos princípios”. Por isso, o “poder leva consigo sua própria legitimidade”. “Aumentar a influência do Estado era seu objetivo”. É dele a conhecida assertiva: “Política é a arte do possível e a ciência do relativo”.
A repetição descontextualizada dos fatos, na forma do texto de Marx, tem risco muito maior quando se dá sem sequer a consciência dos mesmos.
CESAR MAIA escreve aos sábados nesta coluna.