O governo brasileiro se equivoca, quando não admite o tamanho e a densidade da crise financeira mundial, que atingiu em cheio a economia brasileira. Sobretudo porque se não aceita expor o inteiro das dificuldades que enfrentaremos, termina deixando de adotar as medidas mais duras e adequadas que pudessem armá-lo para enfrentar o mal.
Um dos papéis do Presidente Lula, compreensivelmente, é injetar otimismo na sociedade. Obama faz a mesma coisa, com a diferença de que, no seu caso, a realidade é exibida por inteira, o líder norte-americano repetindo sempre que “apesar desse quadro tão drástico, nós seremos mais fortes que a crise” etc. e tal.
Os problemas do mundo são inúmeros: Estados Unidos em franca recessão e sem luz no fim do túnel, antes de se equacionar: a) a crise imobiliária; b) a crise do sistema bancário; c) a derrocada de gigantes corporativos como a AIG e a General Motors, que viraram zumbis a assombrar a sociedade. Taxa de desemprego acima de 8% significa, nos padrões americanos, quase o caos.
União Européia com crescimento negativo e o PIGS (Portugal, Italy, Greece and Spain) solicitando aos demais parceiros um socorro de liquidez que Alemanha e França já anunciaram que não podem dar. A bola da vez são os países do Leste, membros ou não da U.E, que devem demais e contam com bancos fragílimos. A Inglaterra, após a tempestade, não terá viabilidade se não abandonar o orgulho da libra esterlina pela praticidade do euro.
Japão recessivo. Tigres asiáticos em seu momento mais exigente. E o gigante chinês deverá crescer entre 5% e 6%, o que é insuficiente para quem tem 1.4 bilhão de bocas para alimentar.
Na América Latina, o México vai perdendo a guerra contra o narcotráfico e vivendo uma economia que depende do mercado dos EUA em 80% de suas exportações. A Argentina, sob o populismo neoperonista dos Kirchner, está quebrada. A Venezuela, que presenciou Chavez praticar extravagâncias quando o barril de petróleo estava a US$ 167,00, terá dificuldades de sustentar o modelo perdulário atual com preços entre US$ 39,00 e US$ 45,00. Esse país botou a perder notável oportunidade de diversificar sua economia e conquistar justiça social efetiva para o seu povo.
O Brasil enfrenta três vetores de dificuldades: o internacional, advindo do lamentável cenário que acabo de descrever, e dois internos (queda brusca de investimentos e da renda das famílias), que se agravam pelo aumento excessivo de gastos correntes dos últimos anos. Investimento é que tem de ser preservado e ampliado. Gastos de custeio, não raro, levam ao desperdício.
Nos últimos seis anos, as despesas correntes sempre cresceram mais que o PIB. Agora, na crise, quando seria hora de ampliar os investimentos, através de políticas verdadeiramente contracíclicas, percebe-se um esgotamento causado por despesas fixas de custeio, que reduzem a capacidade de o País gerar empregos e minorar os efeitos internos da hecatombe.
Algumas conquistas têm protegido a economia brasileira: o Plano Real, que teve início no Governo Itamar Franco, prosseguindo pelos oito anos de Fernando Henrique; o primeiro mandato de Lula, que merece elogios pela determinação com que apoiou seu Ministro da Fazenda, Antônio Palocci; as reformas macroeconômicas do período FH; as reformas microeconômicas do primeiro Governo Lula, sob a orientação do economista Marcos Lisboa: a Lei de Responsabilidade Fiscal e o antes tão criticado Proer, herança bendita para Lula e para o Brasil; a sensibilidade do atual Presidente de manter as linhas mestras da política econômica que herdou.
Falta agora realismo ao diagnosticar a crise e prescrever os remédios para enfrentá-la. Falta uma política fiscal que comprima os gastos correntes (para quê 37 Ministérios?) em favor de investimentos sociais e em infra-estrutura.
Se agir assim, o Presidente Lula poderá rebaixar as taxas básicas de juros para níveis próximos dos padrões internacionais, preparando o Brasil para o momento da retomada. Se fizer diferente, ficaremos enxugando gelo e ampliando o sofrimento do povo.
Quando o Ministro Mantega insistia em prometer crescimento de 4%, ele perdia conceito como técnico. Parecia torcedor do Corinthians ou do meu Flamengo. Não via a realidade. Agora fala em 2%. De novo, sou obrigado a contestá-lo. Infelizmente, erra outra vez.
Os dirigentes devem ser lúcidos e sinceros. Não se vai a lugar nenhum iludindo – ou tentando fazê-lo – a sociedade.
Arthur Virgílio Neto é líder do PSDB no Senado.