O PT é um partido geneticamente hegemonista. Sua natureza é a de quem quer mandar sozinho em tudo. Por esta razão o PT passou décadas disputando eleições sozinho ou tendo como aliados partidos de esquerda de menor expressão, tratados como satélites subservientes. É PT na cabeça ou nada. Essa era a regra. Quem quisesse, era assim. Caso contrário o PT ia sozinho às urnas.
Durante suas primeiras décadas de vida a estratégia foi suficiente para alçar o PT à testa de algumas dezenas de prefeituras importantes e alguns governos estaduais de menor expressão. No entanto, para chegar à Presidência da República foi preciso reposicionar Lula e seu partido. Reposicionamento em política é tarefa difícil, mas, com a ajuda de Duda Mendonça, Lula conseguiu impor sua vontade ao PT.
Eleito Lula, a soberba petista redespertou a natureza essencial do petismo. O hegemonismo levou o PT ao erro do mensalão. No maior país patrimonialista na face da Terra, os petistas resolveram reinventar a roda (para variar), e recriar o presidencialismo de coalizão. Decidiram romper com o velho e testado sistema de composição de maiorias fisiológicas que vigora no país desde antes do governo Sarney.
Manda a tradição que o apoio parlamentar seja pago no caixa das empreiteiras. O parlamentar apresenta a emenda individual para a obra na sua base eleitoral e passa no caixa para receber. A emenda entra em tramitação, e, a cada trâmite superado, o parlamentar passa no caixa da empreiteira para receber. A inclusão da emenda no orçamento encerra a primeira parte do processo.
No exercício seguinte começa a batalha na antessala dos ministérios para fazer o ministro liberar a verba. A chance de aprovar a emenda e arrancar mais algum da empreiteira vem quando o governo precisa do parlamentar para aprovar um projeto qualquer. O deputado vota com o governo; o ministro libera a verba. E o nosso representante vai ao caixa da empreiteira, toda vez que os pagamentos da obra vão sendo liberados.
As emendas individuais geram comissões para financiar as campanhas e a vida boa (privada) dos parlamentares. As emendas de bancada servem para financiar as máquinas partidárias. Não há licitação sem comissão embutida, seja de compra ou contratação de serviço. Ajoelhou, tem que rezar. Nunca antes nesse país alguém teve intenção de mudar isso.
A imprensa estrila quando parlamentares querem transformar a verba indenizatória em salário. Vez que outra alguma falcatrua aparece. Mas, tudo se passa como se os parlamentares vivessem mesmo do salário e dos pequenos gastos desviados da verba indenizatória. Ninguém constrói castelo de R$ 25 milhões desviando verba indenizatória apenas. Eleger-se e reeleger-se custa tantos milhões que nem o salário e a verba indenizatória, somados ao longo de quatro anos de mandato, paga.
Pois o PT imaginou que seria possível substituir esse sistema tradicional de corrupção institucionalizada desde antes do centrão de Sarney, por um novo sistema no qual centenas de parlamentares seriam comprados com malas de dinheiro e pagamentos feitos até no plenário da Câmara dos Deputados. Sem dar na vista. Pode?
Zé Dirceu mereceria ter sido cassado pela genialidade e não pelas razões alegadas, e pelas quais pede anistia. Previsível. Quase pôs tudo por águas abaixo.
Lula, na semana que passou, andou desdenhando seus opositores que dizem que ele é um político de sorte. O presidente afirmou que seu sucesso de público não é sorte, e que os resultados de sua presidência são pura competência. É; deve ser. Lula aprendeu a lição. Tomou conselhos com Sarney e aderiu à tradição. Seu segundo mandato não nos tem brindado mais com escândalos do quilate do mensalão. Tudo voltou ao normal no país.
Mas, algo estranho começou a acontecer depois da abertura das urnas da eleição municipal passada. O PT adentrou o tabuleiro eleitoral de 2008 planejando eleger 1200 prefeitos. Para isso, alçou-se desesperadamente a buscar alianças com o PMDB, a maior legenda do país e aliado preferencial de Lula nesse segundo mandato, entrando em reta final.
Na cabeça hegemonista do petismo, as urnas deveriam se abrir com o PT maior que o PMDB e com o PSDB e o DEM de joelhos. O plano não saiu exatamente como previsto. De fato, o DEM vem encolhendo desde que as famílias de seus eleitores foram compradas com bolsas (e não malas) de dinheiro. E o PSDB encolheu, mas não perdeu o vinco.
No entanto, ao contrário do que previam os estrategistas do PT, apesar de a legenda de Lula ter crescido, não cresceu tanto quanto o desejado e, para surpresa geral, o PMDB saiu das urnas maior e mais forte do que entrou.
Desde o fim da eleição municipal até a eleição de Collor para presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado – que influenciará a distribuição das comissões pelas obras do PAC – passando pela eleição de Temer e Sarney para as presidências da Câmara e do Senado, o que se está assistindo é o isolamento do PT. E um verdadeiro cerco de Lula pelas velhas oligarquias da política brasileira.
O PT está perplexo e inerte diante dos sucessivos golpes que recebe num momento em que sua estratégia original para a sucessão de Lula previa que seriam os petistas quem dariam as cartas. Lula se acha competente e acima do bem e do mal, especialmente após escapar do impeachment pelo mensalão. Usufrui os méritos de ter dado continuidade à obra de FHC; Pedro Malan & Cia. O presidente surfa altos índices de popularidade e acha que quem move as pedras do tabuleiro político é ele.
FHC também se aliou às velhas oligarquias para governar e, dizem, teria comprado dois ou três votos com malas de dinheiro para aprovar a própria reeleição. Saiu do cargo com a biografia arranhada por isso. Mas, terminou seu segundo mandato deixando a economia em ordem para Lula aproveitar, e botando gente com Jáder Barbalho, Renan Calheiros, Sarney e ACM porta fora do poder.
Já Lula, se continuar nessa batida, corre o risco de deixar o Brasil nas mãos dessa gente; com as contas públicas no vermelho e a inflação – filha do déficit público – assombrando nossas vidas outra vez. Sarney; Renan Calheiros e Collor estão se divertindo enquanto preparam a cama do PT, comendo o prato frio da vingança histórica, das bordas para dentro no banquete do poder.
Paulo G. M. Moura é graduado em Ciências Sociais e Mestre em Ciência Política pela UFRGS; Doutor em Comunicação Social pela PUC-RS e professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Ciência Política da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). Conheça o site do professor Paulo Moura.