Já ouvi algumas vezes que em economia a surpresa vem sempre de onde menos se espera.
Foi exatamente isso o que o mundo viu acontecer na grave crise financeira internacional iniciada com o estouro da bolha imobiliária dos EUA em 2008.
A pior crise desde 1929 inverteu a lógica e fez dos países desenvolvidos os atuais focos de instabilidade global e das nações em desenvolvimento os pontos de segurança e confiabilidade.
Que economista ou analista poderia prever tal cenário?
Por sua extensão, profundidade e rapidez com se espalhou, a crise criou um cenário completamente distinto para o Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos (Suíça), neste final de janeiro.
As autoridades econômicas estão ainda buscando alternativas de como superar o período agudo e de como lidar com a nova configuração pós-crise.
Nenhum dos presentes em Davos diria, há cinco anos, que os países emergentes teriam tanta importância no mundo como têm hoje -em especial, os chamados BRICS (Brasil, Rússia, Índica, China e África do Sul).
Muito menos que o G8 (Grupo dos oito países mais industrializados e a Rússia) se transformaria em História do ponto de vista de seu poder de decisão, dando lugar para o G20 (que reúne as 20 maiores economias do globo).
Da mesma forma, não se esperava que Irlanda, Itália, Grécia, Reino Unido e (pasmem!) alguns Estados americanos estivessem na lista de riscos de calote de Nouriel Roubini.
Meio a contragosto, o Fórum Econômico Mundial foi permeado pela certeza de que o receituário neoliberal fracassou, de que é preciso regular a atividade financeira e de que os governos salvaram os bancos.
A conta foi salgada. Nos EUA, US$ 2,683 trilhões para salvar os bancos (ou 18,1% do PIB); no Reino Unido, US$ 1.476 trilhão (68,7%); na Alemanha, US$ 669,2 bi; no Canadá, US$ 631,1 bi (22,3%); na Irlanda, US$ 648,3 bi; e na Espanha US$ 376,3 bi. Isso além de Holanda, Suécia, Japão e outros países.
Viu-se resistência em Davos a um controle maior do sistema financeiro. As contrapartidas dos bancos podem vir por meio de impostos mais elevados e por um controle mais rígido dos bônus de seus executivos.
Iniciativas como fazer o pagamento por etapas, estabelecer um teto de valores e adotar medidas para regular o sistema financeiro internacional são fundamentais para evitarmos uma nova crise com as características desta no futuro.
E isso é o mais importante, evitar que os bancos voltem a exercer práticas e funções que levaram o mundo à crise.
É justamente essa discussão que os banqueiros não querem que seja travada. Tais idéias foram recebidas por banqueiros e agentes do mercado como excesso de intervenção estatal na economia.
A resistência se deu, inclusive, às propostas do presidente dos EUA, Barack Obama, para tentar controlar os excessos e a farra do sistema financeiro mundial.
Davos também foi marcada pela premiação ao presidente Lula, com o título de “Estadista Global”, uma forma de homenagear o Brasil pelo enfrentamento da crise, com políticas que vêm sendo bem-sucedidas, mas também por ter se transformado em importante interlocutor mundial.
Lula não pôde comparecer, mas seu discurso deixa claro porque o Brasil é hoje respeitado internacionalmente: “mudou prioridades”, “rearranjou modelos”, “impôs um novo ritmo de desenvolvimento ao país”, incluiu 31 milhões de pessoas na classe média, retirou 20 milhões da pobreza absoluta, elevou as reservas externas de US$ 38 bilhões para US$ 240 bilhões e pagou a dívida externa.
Ainda que por necessidade, foi a primeira vez que o Fórum Econômico Mundial se defrontou, de fato, com o slogan “um outro mundo é possível”, do Fórum Social Mundial, que completou dez anos em 2010, em Porto Alegre.
Porque cada vez mais se consolida o entendimento de que é preciso repensar a economia mundial a partir de outros parâmetros, o que é uma das lições da crise e um antigo diagnóstico do Fórum Social.
Embora tenha terminado sem uma agenda política definida, o encontro de Porto Alegre fortaleceu uma série de reflexões que vem se desenvolvendo ao longo dos anos a partir da sociedade.
Entre elas, a importância do direito à comunicação e a mídias alternativas, a necessidade de mudança nas relações trabalhistas, a carência de investimento maior em Saúde e a relevância da redução das causas das mudanças climáticas aliada à inclusão social.
Nesse contexto, o Estado joga um papel decisivo. Não só como bóia de salvação quando tudo dá errado, tal qual desejam banqueiros e as proposições neoliberais, mas como indutor de crescimento sustentável e com distribuição de renda, caminho que vem sendo trilhado no governo Lula.
De alguma forma, neste ano, Davos pediu ajuda a Porto Alegre.
José Dirceu, 63, é advogado e ex-ministro da Casa Civil