Nas últimas décadas tem se intensificado um modelo de gestão pública em que a iniciativa privada opera serviços considerados essenciais. Isso se dá na telefonia e transferência de dados, no transporte público das grandes cidades, na distribuição dos combustíveis, na administração de estradas de rodagem, na educação, no atendimento à saúde e em vários outros setores da economia.
Essa operação dos serviços essenciais pela iniciativa privada sempre ocorre por três modelos distintos: 1) privatização, caso das teles, operadas até 1998 pelo Estado; 2) concessão, caso de importantes estradas brasileiras e também do transporte público viário em todas ou quase todas as capitais brasileiras; e 3) livre concorrência, caso do ensino e da saúde.
Tratemos aqui na livre concorrência, que tem se mostrado necessária no caso da educação, pois há consenso que, no caso do ensino fundamental e médio, as instituições privadas chegam a oferecer melhor qualidade que o Estado, ainda que tenham participação minoritária no atendimento.
E ainda que o mesmo não ocorra quando se trata de ensino superior, pois as universidades públicas são de longe as de ponta no país, não pode-se dizer neste momento que haja uma crise por conta disso.
Digo isso não para constatar que tudo vai bem no sistema educacional brasileiro. Há muito por ser feito, a começar pelo oferecimento, por parte do Poder Público, de educação de melhor qualidade às crianças e adolescentes, e da erradicação do analfabetismo.
Mas pretendo aqui fazer um contraponto entre o que é oferecido pela iniciativa privada em educação e em saúde, dois setores freqüentemente operados pela iniciativa privada, ainda que dependam de autorização e regulamentação governamental.
Se no primeiro caso o setor privado tem sido importante para suprir deficiências do Poder Público, no segundo isso pára na promessa. Não pretendo aqui fazer a crítica aos hospitais, pois há instituições privadas, com ou sem fins lucrativos, dos quais devemos nos orgulhar, como o Hospital Israelita Albert Einstein, o Hospital Sírio Libanês e vários outros.
Mas os planos e seguros de saúde pararam na promessa de ser uma suplementação ao atendimento público, para passar a concorrer com este, de forma muito pouco salutar. Em meu artigo publicado neste espaço na semana passada, citei entrevista da médica Lígia Bahia ao jornal O Globo em que ela traça um panorama das relações entre as instituições de saúde privada e o SUS (Sistema Único de Saúde).
Lembrei que quando os clientes de planos e seguros de saúde são atendidos pelo SUS, essas empresas apenas reembolsam o Estado em casos de atendimentos previamente autorizados, mas protelam nos tribunais o pagamento pelos atendimentos de emergência, contribuindo para a piora na qualidade do atendimento público de saúde.
Chegaram os tucanos em São Paulo a propor a aberração de destinar 25% dos leitos do SUS para pacientes conveniados a planos ou seguros de saúde.
Isso sem falar nos preços altíssimos cobrados dos maiores de 59 anos, da luta que é para obrigar as empresas a realizar determinados procedimentos etc.
É momento de uma nova experiência, em que o Estado pode ser mais do que autorizador e regulador, mas orientador. Se há livre concorrência no setor de saúde privado, por que o Poder Público não pode concorrer com as empresas privadas no oferecimento de planos de saúde?
Um caminho para isso é transformar o GEAP (Fundação de Seguridade Social) em um plano público se saúde para concorrer com as instituições privadas, servindo de modelo de gestão e de atendimento ao público.
O GEAP é uma EPFC (entidade fechada de previdência complementar) sem fins lucrativos, criada em 1945, destinada aos servidores públicos e que atende a aproximadamente 700 mil pessoas, por meio de 25 mil prestadores de serviços.
Por meio de uma instituição como o GEAP, ou outra a ser criada, o Poder Público poderia levar novos valores ao mercado e novas expectativas aos consumidores de planos, elevando o patamar de atendimento privado na saúde e atenuando o modelo predatório vigente.
Isso certamente não tira nem reduz a obrigação da União, dos Estados e dos municípios de garantir o atendimento à saúde de todos os brasileiros, por meio do SUS, mas serve como sinalizador para o que se espera do atendimento suplementar.
José Dirceu, 63, é advogado e ex-ministro da Casa Civil