Em que pese os pontos ainda pendentes no Congresso dos EUA, a aprovação da reforma no sistema de saúde norte-americano joga luz sobre a necessidade de pensarmos o modelo que adotamos no Brasil.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a Constituição de 1988 consagra o SUS (Sistema Único de Saúde) como o mecanismo adequado de atendimento à concepção de uma política universal de Saúde.
Esse valor deve ser preservado, pois reforça o acesso à saúde como um direito humano fundamental. Por isso, as mudanças na saúde complementar constam do Plano Nacional de Direitos Humanos que o governo Lula apresentou ao país.
Mas um dos pontos fundamentais para uma reflexão é a atual situação dos planos de saúde. Em entrevista ao jornal “O Globo”, a médica Ligia Bahia traça um excelente diagnóstico sobre as relações dos planos de saúde privados com o SUS.
Dentre os problemas apontados, está o ressarcimento do SUS pelas operadoras dos planos -afinal, há excelentes hospitais e especialidades que integram a rede pública. Como bem nos explica a médica, atualmente, quando um segurado de um plano privado é atendido pelo SUS, em tese, deveria haver ressarcimento pelo uso do sistema público.
O que ocorre, no entanto, é que os gastos ressarcidos são apenas os de internação eletiva, os aprovados pelas seguradoras. Os demais, inclusive cirurgias e emergências, ficam sob responsabilidade do Estado.
Ou seja, o usuário do plano de saúde acaba contratando a iniciativa privada para usar o serviço público, situação que garante o lucro das operadoras e resulta em prejuízo ao atendimento da população mais carente.
O problema, segundo Ligia, desemboca no custo irreal dos planos no Brasil, que na média é muito baixo porque embute o uso do SUS e seu não ressarcimento. Isso transforma o Brasil no segundo maior mercado do mundo em planos de saúde privados e faz nosso sistema se afastar do objetivo da Constituição, que é a universalização da saúde.
A situação é resultado do “livre trânsito entre o público e o privado”. Afinal, ao longo do tempo, o ressarcimento dos atendimentos prestados pelos SUS aos clientes dos planos privados foi sendo limitado por medidas da ANS (Agência Nacional da Saúde), cuja atuação é preciso repensar também.
Para tentar sanar o problema, o Estado decidiu que iria cobrar pelo atendimento prestado pelo SUS. Mas a iniciativa privada consegue protelar o pagamento na Justiça, por meio de recursos que fazem as ações se arrastarem nos tribunais.
O governo do PSDB no Estado de São Paulo chegou a cogitar, inclusive com proposição de lei, a criação de uma reserva de 25% da capacidade de hospitais públicos administrados como organizações sociais para pacientes de planos de saúde ou particulares.
Um absurdo total, pois seria o mesmo que permitir que uma pessoa pagasse para ter reserva de leito em hospitais públicos.
É preciso lembrar também que uma parcela significativa das verbas para a saúde (cerca de R$ 15 bilhões) deixou de existir na virada de 2007 para 2008, com a atuação da oposição para barrar a CPMF. Esse dinheiro certamente está fazendo falta.
O governo federal tem investido no atendimento do cidadão do final da cadeia da Saúde, aquele que precisa do setor público para ser cuidado. Essa vertente -que prevê dobrar em 2010 as atuais 250 UPAs (Unidades de Pronto Atendimento)- visa deixar os hospitais para os casos mais graves, desafogando o sistema.
Também devemos pensar a relação dos planos privados com o SUS, de forma a exigir deles compromisso maior, no mínimo para o ressarcimento que hoje é fugidio. Além disso, seria interessante transformar o GEAP (Fundação de Seguridade Social) em um plano público alternativo para concorrer com os privados.
Fundamentalmente, é preciso investir mais no sistema universal e transformar em fato o cartão SUS, que possibilitará o acompanhamento do histórico de saúde do cidadão. Esse tema é crucial ao país e voltarei a ele em breve.
Por fim, quero externar meu sincero pesar pela morte da admirável médica Zilda Arns, que legou ao Brasil e ao mundo a Pastoral da Criança, importante instrumento de redução da mortalidade infantil e de universalização do acesso à saúde via sociedade civil. Sua pessoa e sua dedicação deixarão saudades.