As pressões política e econômica sem precedentes que os Estados Unidos exerceram sobre o Brasil no caso do garoto Sean Goldman, 9 anos, e que terminaram por levar o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, a determinar a entrega imediata do menino a seu pai, o norte-americano David Goldman, são mais uma demonstração de que o país da América do Norte ainda trata seus vizinhos de continente como quintal e é capaz até mesmo de usar questões comerciais para resolver um caso que deveria ficar restrita à esfera de drama familiar.
O silêncio das autoridades nacionais (Executivo e Legislativo) e da própria mídia brasileira nesse caso foi espantoso e me fez lembrar do período em que nossos chanceleres tiravam os sapatos para se submeteram a revistas em solo norte-americano.
O ministro Gilmar Mendes tem todo o direito (e dever) de decidir a questão, considerada urgente, como melhor compreender que deva ser julgada, uma vez que nesse período de recesso cabe a ele decidir sobre os casos urgentes que, normalmente, caberiam ao plenário, aos 11 membros da Corte Constitucional.
E decidiu então por cassar a liminar concedida na semana anterior pelo ministro Marco Aurélio, em ação de habeas corpus movida pela família brasileira de Sean, suspendendo os efeitos de decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo), favorável a David Goldman.
Segundo o Supremo informou na terça-feira (22/12), para o presidente do STF “ficou demonstrado que o descumprimento reiterado do que decidido pelas vias ordinárias está comprometendo o Estado brasileiro quanto ao regular cumprimento da Convenção sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Convenção de Haia, de 1980), inclusive com a informação de já haver petição junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, em relação ao caso, o que poderá acarretar graves sanções ao Brasil”.
Já o ministro Marco Aurélio, ao conceder a liminar cassada por Gilmar Mendes, afirmou:
“Faz-se em jogo uma vida em plena formação. Fazem-se em jogo o direito de ir e vir, o direito de opinião e expressão bem como a dignidade humana.”
Ele criticou o fato de a Justiça não ter ouvido o garoto e lembrou que a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente prevê “a manifestação da criança e a recusa à entrega quando essa deixar de ser compatível com os princípios fundamentais do estado requerido ligados à proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”.
Independentemente da posição deste ou daquele ministro, há, entretanto, que se fazer uma consideração sobre a urgência do caso.
De fato é urgente uma vez que mexe com emoções, tanto do pai, como da família de sua mãe, a brasileira Bruna Bianchi, que morreu em 2008, com quem o menino veio para o Brasil em 2004, após a separação de Bruna e David.
Mas o caso não é urgente porque o congresso norte-americano engavetou a votação de projeto de lei que resolveria a questão comercial em torno da importação, pelos EUA, de etanol brasileiro devido à disputa pela guarda de Sean.
A questão da guarda do menino Sean também não deveria ser urgente porque as pressões políticas chegaram ao ponto de a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, cobrar das autoridades brasileiras que a guarda do garoto fosse concedida a David.
Nem porque o presidente dos EUA, Barack Obama, resolveu debater a questão com o presidente Lula quando nosso chefe de Estado esteve na Casa Branca, também em março.
A própria avó brasileira do menino chegou a criticar o fato de um drama familiar se tornar assunto de presidentes.
Novamente quero deixar claro que não critico a decisão do ministro Gilmar Mendes.
Cabia a ele decidir e, tenho certeza, ele decidiu de acordo com sua consciência e de acordo com nossos princípios constitucionais. São os chamados ossos do ofício.
Mas me espanta o silêncio de nosso governo, de nosso Congresso e de nossa mídia.
José Dirceu, 63, é advogado e ex-ministro da Casa Civil