O Senado deve deliberar, até quarta-feira, sobre o ingresso da Venezuela no Mercosul. Passei a semana em Manaus, finalizando tratamento dentário que se fez inadiável. Agradeço, aliás, a deferência do Senado em adiar a votação, seja para que as posições amadurecessem, seja para que eu pudesse participar desse grande debate que será produzido. Percebi, nesse ínterim, certa confusão quanto ao mérito da questão, que gostaria de abordar sob os ângulos da diplomacia, minha formação profissional, da economia e da geopolítica.
A decisão não terá grande influência sobre as relações comerciais Brasil-Venezuela. Afinal, os EUA, grandes inimigos do presidente Hugo Chávez, são também o principal parceiro comercial venezuelano. O Amazonas pode, portanto, ficar tranquilo quanto a isso.
A admissão permitiria a entrada dos amazonenses, rumo à ilha de Margarita, no Caribe venezuelano, apenas com a Carteira de Identidade. Mas Chávez, que poderia ter admitido isso há mais tempo, acaba de criar um seguro obrigatório para carros brasileiros, de quase R$ 400,00.
O Mercado Comum do Cone Sul tornou-se um entrave para o Brasil. Não tem celebrado acordos comerciais expressivos. Qualquer país membro, por menor e menos expressivo economicamente que seja, tem poder de veto. Não é assim na União Européia, onde Alemanha e França podem mais que países como Hungria e Bulgária, fazendo jus à posição que ocupam no concerto das nações.
Hoje, os europeus são os parceiros ideais para o Brasil, enquanto nossos vizinhos, cheios de problemas internos, nos tornaram um alvo. Basta lembrar a estatização da refinaria da Petrobras na Bolívia, a reivindicação de diminuição das tarifas de Itaipu pelo Paraguai e as chantagens e os vetos comerciais argentinos.
Hugo Chávez é um típico político populista e autoritário, da pior tradição sul-americana. Não dá para apoiar a política econômica desastrosa que pratica e chega ao cúmulo de levá-lo a pedir redução do tempo de banho para três minutos e uso de lanterna de pilhas no banheiro para economizar energia. Justo ele, cujo governo está assentado numa das maiores reservas mundiais de petróleo.
Sem contar que, depois de tantos anos do fim da Guerra Fria, a inconsequente atuação internacional de Chávez provocou uma nova e inacreditável corrida armamentista, bem na fronteira com o Brasil.
O Mercosul, enfim, precisa recomeçar. Melhor seria que se transformasse em área de livre comércio, onde a própria Venezuela seria bem-vinda, como mercado para os produtos da indústria de Manaus.
A idéia inicial do Mercosul era unir a América do Sul inteira nele, com um PIB superior ao da Alemanha. Seria um show internacional. Terminou virando um bloco insignificante, que se resume ao Brasil. Por que não celebrar acordos bilaterais, sem esperar por países com economias menos sofisticadas que a nossa? O México tem mais de 100 acordos bilaterais e nós nenhum. O Chile se dispõe a negociar conosco, mas não topa no Mercosul do protecionismo argentino e da instabilidade de outros países.
Em diplomacia, o risco precisa ser calculado. Com a Venezuela de Hugo Chávez e o Mercosul do jeito que está, o único cálculo possível é de risco máximo e iminente.
Assistam os debates na TV Senado. O maniqueísmo será derrotado.