As repercussões da aprovação na Comissão de Relações Exteriores do Senado da entrada da Venezuela no Mercosul são claros exemplos de como grande parte da mídia e a oposição no Brasil comportam-se de maneira esquizofrênica na hora de debater o que realmente interessa ao país.
De maneira míope, tentaram usar o pedido de ingresso no Mercosul, feito pelo Estado da Venezuela, para atacar o governo do presidente Lula.
A bem da verdade, caso tivesse prevalecido a vontade da oposição, o resultado seria desastroso. Imagine o que aconteceria se, após a aprovação da Argentina e do Uruguai, o Senado brasileiro tivesse barrado a entrada do Estado venezuelano Mercosul?
É compreensível que haja frustração da oposição com as vitórias obtidas na política externa brasileira nos últimos seis anos e meio, entre elas, a retomada do Mercosul, abandonado no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso.
Mas daí a arriscar o avanço e a consolidação do bloco e as relações diplomáticas com um país vizinho a distância é gigantesca. A prova inconteste dessa defasagem é que até a oposição a Hugo Chávez quer a Venezuela no Mercosul.
E há excelentes motivos para defender a ampliação do bloco, tanto do lado dos países fundadores, quanto do lado venezuelano.
O primeiro é diplomático, pois a negativa seria ato de hostilidade contra uma nação historicamente amiga. Além disso, sairão fortalecidas as posições dos países da América do Sul em futuras negociações com outros blocos, fator que é também político.
Há benefícios para o comércio e a indústria brasileiras, pois é incontestável que a economia venezuelana tem conseguido bons resultados, empurrada por sua produção de petróleo.
É um país com mercado interno atraente, portanto, estratégico aos interesses do Brasil. Com a entrada no Mercosul, uma ampla e variada lista de produtos brasileiros poderão chegar aos venezuelanos com tarifa zero.
Além disso, a adoção da TEC (Tarifa Externa Comum) para fora do bloco pode ampliar o espaço dos produtos brasileiros. O mesmo raciocínio aplica-se ao setor de serviços.
São igualmente fortes os argumentos políticos pela entrada da Venezuela. Afinal, é via bloco comercial coeso que se conseguirá êxitos nos foros internacionais.
Só a ação conjunta tornará possível avançar pacificamente no rumo da prosperidade econômica e do fim das desigualdades sociais.
Risíveis as declarações de que a Venezuela trará instabilidade política por causa de Chávez, pois a avaliação do Senado deve ser sobre o Estado, não sobre o governo venezuelano.
Além disso, quaisquer fraquezas institucionais que subsistem nas nações sul-americanas não são superadas pela política do isolamento, que só as agrava.
É a política da inclusão que solucionará tais problemas. Nesse sentido, o Mercosul contribui para reforçar os fundamentos do Estado de Direito na região.
As críticas devem existir, sem dúvida, mas deveriam buscar o aprimoramento do bloco, não sua derrocada.
E há muito a ser perseguido: criar instituições jurídicas (tribunal para dirimir controvérsias) e representativas (Parlamento); estabelecer o Banco do Sul e uma moeda comum; pôr fim à cobrança dupla na TEC; formar um fundo de compensação para Uruguai, Paraguai e Bolívia (que também deve ingressar no bloco); resolver as divergências existentes; e definir uma política industrial regional.
Objetivar essa pauta, com a colaboração da Venezuela, é fundamental para atrair outros países e defender os interesses dos povos sul-americanos.
Entender que os problemas são entraves definitivos e insuperáveis é desconhecer como se constrói alianças políticas e econômicas entre países tão assimétricos e desiguais como os da América do Sul.
É também não observar o que se passa na União Européia e na Organização Mundial do Comércio, que lidam com as mesmas dificuldades de adequação de realidades.
É, por fim, esquecer que são as decisões políticas e ideológicas que conformam as alianças aduaneiras.
Agora, falta a deliberação do plenário do Senado do Brasil e do Congresso do Paraguai para que a Venezuela integre o Mercosul. Pelas razões enumeradas, a decisão acertada será pela aprovação.
E que seja bem-vinda, Venezuela!
José Dirceu, 63, é advogado e ex-ministro