Muito acertadamente o jurista Ives Gandra observa que imposto é norma de rejeição social. De igual modo, ninguém tem dúvidas que, em qualquer parte do mundo, a matéria tributária é complexa.
A combinação dessas características é fonte inesgotável de temas polêmicos, daí porque quase todas as questões tributárias são controversas.
A decisão de tributar com o IOF as aplicações de investidores estrangeiros, no mercado financeiro, não escapa à regra.
A motivação dessa incidência repousa na elevada apreciação do real frente a moedas estrangeiras. Muitas vezes o País ressentiu-se da falta de divisas. Agora experimenta justamente o inverso.
Esse quadro é tão grave quanto o anterior, pois, além de outros efeitos nocivos, reduz a competitividade das exportações brasileiras, em desfavor das contas externas e do próprio crescimento econômico.
Conquista do mercado externo exige trabalho paciente e determinado, tendo em conta, principalmente, a capacidade de oferecer produtos a preços competitivos, contra o que conspira a valorização excessiva da moeda local.
O IOF foi, desde sua instituição, concebido como instrumento de regulação nos mercado financeiro e cambial, podendo ser implementado por normas infralegais.
É verdade que, ao longo do tempo, assumiu também funções arrecadatórias. As medidas recentemente adotadas estão plenamente de acordo com a legislação de regência, além de consistentes com os objetivos para os quais foi criado o imposto.
Parte das críticas contra a tributação do IOF tem um viés claramente antirregulatório, na presunção de que são iníquas medidas que venham a tolher a liberdade de movimentos no mercado financeiro.
A atual crise financeira internacional, todavia, é evidência palmar de que esse entendimento é um equívoco. Mercado financeiro desregulamentado é certeza de problemas, pois enseja uma competição selvagem em prejuízo de todos os aplicadores, desde a fria Islândia até a agitada Nova Iorque.
Há também, especialmente nos organismos internacionais, os que simplesmente rejeitam o IOF, porque não conseguem encontrar referência expressa a esse tributo nos livros-texto ou manuais, tidos como dogmática tributária. Nesses casos, o único remédio é um banho de realidade, com imersão na administração de problemas reais.
De pronto, cabe perquirir se a tributação repercutirá positivamente nas exportações e na apreciação do real. A resposta é afirmativa, ainda que se saiba que nem remotamente representa uma solução cabal para os problemas, em virtude das seguintes razões: o acúmulo de créditos tributários nas exportações, sem perspectivas de realização no curto prazo, é questão de mesma importância que a apreciação do real; o mercado financeiro dispõe de uma miríade de produtos e enorme criatividade para explorar brechas legais que contornem a tributação, a exemplo de operações de lançamento ou aquisição de recibos de ações (ADR) na Bolsa de Nova Iorque, e negócios com derivativos de ações; conquanto tenha sido utilizada a alíquota máxima (2%) aplicável à matéria, é provável que a medida não seja suficientemente eficaz para deter investimentos externos de caráter especulativo.
Afora isso, a tributação do IOF certamente reduzirá o volume de negócios na BM&FBovespa, desestimulará iniciativas tendentes a realizar emissões públicas iniciais de ações (IPO), abalará a credibilidade no Brasil no âmbito dos investidores estrangeiros, que demandam regras claras e estáveis, e limitará a captação de recursos externos por meio do mercado de capitais.
Nesse contexto, o próximo passo seria examinar a conveniência e oportunidade da medida. Já se sabe que ela de algum modo concorrerá diretamente para reduzir a excessiva apreciação do real, sendo útil também para diminuir os custos de aquisição de dólares pelo Banco Central visando a esse mesmo objetivo.
Subsidiariamente, implicará a geração, segundo estimativas da Receita Federal, de R$ 4 bilhões que representarão uma importante contribuição para mitigar as sucessivas frustrações de receita e as ameaças concretas ao já tão maquiado superávit primário.
Contabilizados os méritos e deméritos, não há como refugar a providência tomada, mesmo sabendo de suas limitações e vulnerabilidades que, contudo, não anulam seu foco.
Lacunas interpretativas ou eventuais falhas de concepção podem facilmente ser corrigidas. Ninguém consegue esgotar as possibilidades de eficácia de uma solução dessa natureza sem exercitá-la efetivamente, mesmo porque a própria solução pode alterar a natureza do problema.
Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal