É incrível o que aconteceu sexta-feira. Manaus, no coração da Floresta Amazônica e às margens de dois dos maiores rios do planeta, o Negro e o Amazonas, foi encoberta pelo efeito estufa. Segundo os meteorologistas, após 30 dias sem chuva, uma camada de ar quente se deslocou do interior, ficou sobre a cidade e impediu a dissipação dos poluentes. A fumaça de escapamentos dos carros e das queimadas ficou presa, provocando o fenômeno do “fog”.
Lembro bem de quando, a caminho de Cambridge ou Oxford, enchia o coração de nostalgia ao ver Londres cinza, gélida, melancólica. Triste sina de um povo que tantas provas de bravura e alegria deu ao mundo. Fechava os olhos para fugir do “fog” e acalentar o espírito com a visão inteiramente distinta de minha Manaus e do meu Amazonas.
O caboco, quando alguém lhe diz que Negro, Solimões ou Amazonas um dia vão poluir, usa uma expressão típica: “Mas quando já!?!!” Com efeito, da forma como ele lida com os estoques da natureza, nunca seria possível a falência desses imensos cursos d’água. Mas o nosso herói interiorano, em sua credulidade, foi incapaz de avaliar a capacidade do homem moderno de construir poluição.
Esse mesmo caboco me levou à reflexão quando, em minhas primeiras caminhadas políticas pelo interior, no começo de 1978, fez clara distinção entre “seca”, com o “e” fechado, e “seca”, com o “e” aberto. Fechada, a palavra define o fenômeno da seca nordestina, onde a terra racha e os cursos d’água secam inteiramente. No Amazonas, o que vemos é a seca, aberta, onde o volume dos rios diminui, mas ainda fica água suficiente para a sobrevivência dos ecossistemas. Isso é sabedoria popular amazonense. É consuetudinária. Não tem em qualquer dicionário. Neste artigo, passo a usar acento diferencial nessas palavras (séca e sêca).
O Inpe, segundo informam os jornais, registrou, entre agosto e setembro, 2.451 focos de incêndio no Amazonas. Junte a isso a entrada furiosa de quase 3,5 mil carros novos, todos os meses, na capital. A soma é o “fog”, “a fumaça que sobe encobrindo as estrelas”, como descreve Caetano Veloso, em “Sampa”, numa expressão de surpresa diante da poluição paulista.
Sim, Manaus está distante de alcançar o estágio de desenvolvimento londrino, mas corre o risco de ficar tão poluída quanto a capital inglesa. É triste. É doloroso.
Começo a pensar que estamos caminhando perigosamente para desmentir o caboco, em sua infinita sabedoria. Há poucos anos, fartamente noticiada pela imprensa, a séca se tornou sêca e os peixes morreram às toneladas.
É preciso agir. A Prefeitura de Manaus acaba de criar uma brigada para combater focos de incêndio. Estava pronto a ir ao prefeito para pedir ação contra a queima quase continuada do Parque Sauim Castanheiras, na Zona Leste, criado em meu governo na Prefeitura (1989-1992), mas soube que lá haverá plantão 24 horas, em nome da preservação da diversidade de fauna e flora ali existente.
O Corpo de Bombeiros também precisa de mais homens e mais equipamentos.
A guerra contra a poluição chegou até nós. Precisamos vencê-la.