Lídice, era uma pequena vila ao Nordeste de Praga, na então TChecoslováquia. No dia 10 de junho de 1942, num dos mais infames atos da segunda/ II Guerra Mundial, Hitler mandou exterminá-la, com todos os seus pertences, homens, mulheres, crianças e edificações. Todos os seus 172 adultos e adolescentes foram assassinados e as mulheres transferidas para campos de concentração, nos quais a maioria morreu.
Na caçada aos guerrilheiros, mil ‘suspeitos’ foram assassinados, 3 mil judeus foram deportados para campos de extermínio, outros 500 foram presos em Berlim — e desses, 152 executados. Concluída a ‘limpeza étnica’, todos os prédios de Lídice foram destruídos, um a um. O solo foi coberto por gramados, o nome da cidade mudado, e ela mesma retirada dos mapas alemães.
Por que tanto ódio, tanta fúria bestial, tanta violência?
Em maio daquele ano, membros do movimento ‘TChecoslováquia livre’ que lutavam pela libertação de sua Pátria invadida haviam assassinado o responsável pelo Reich na Boemia, soldado a quem Hitler homenageava chamando-o de ‘coração de aço’.
Para quê?
Para dar uma lição, simplesmente para isso, para dar uma lição aos insurgentes de modo que, aprendendo-a, jamais ousassem ferir um nazista.
Cuidadosamente preparada e meticulosamente realizada — com a mesma esmagadora diferença de meios que separava os patriotas tchecos das tropas nazistas, fazendo de uns mártires e de outros assassinos covardes — esta política do fato consumado no Oriente Médio dá continuidade à limpeza étnica a que se dedicam os dirigentes israelenses, ao arrepio de qualquer noção de direitos humanos. Desde 1948.
No momento em que escrevo já foram assassinados cerca de 600 palestinos e contam-se mais de 4 mil feridos, na sua maioria mutilados. Os hospitais, os que não foram destruídos pelas bombas da potência ocupante, não dão conta das amputações. As baixas do Estado de Israel seriam oito pessoas — quatro militares e quatro civis. Trinta e um soldados israelenses foram feridos. Como chamar a isso de ‘guerra defensiva’?
E não cessa a fome de Israel pelos territórios palestinos.
E as grandes potências dizem que as duas partes devem igualmente acabar com as hostilidades.
E os EUA, cujo império militar dá respaldo às ações de Israel, cujo direito de veto no Conselho de Segurança, impede, criminosamente, qualquer ação da ONU, dizem que o Hamas é o grande culpado, como culpado era o Hersbolah (1.200 mortos em 2006), como culpados eram o Líbano e sua população civil, os refugiados de Sabra e Chatila, assassinados, porque culpados são sempre os ‘outros’, os bárbaros, que teimosamente não dão graças a Deus pela honra de terem seus lares ocupados por colonos judeus e sua gente metralhada pelo exército do Estado de Israel. Teimam em viver e habitar a terra de seus avós.
Como ocorreu com Lídice e com Guernica, bombardeada na guerra civil espanhola, Gaza está sendo destruída, sua gente assassinada, demolidos os edifícios, as casas, as escolas, os hospitais, todo o sistema de serviço público, a rede de distribuição alimentos, as ruas, as avenidas. Não ficará pedra sobre pedra. Como em Guernica e como em Lídice que ficaram lembrando eternamente o holocausto. Na esperança de que, lembrado, o crime não se repetisse.
Em homenagem às vítimas de Lídice, cada país aliado na luta contra o nazismo batizou com seu nome um município. A Lídice brasileira fica no Rio de Janeiro.
A vingança de Israel contra o lançamento dos foguetes artesanais tem um nome: terrorismo de Estado.
Como ninguém parece ter nada com isso, o morticínio prossegue, e só cessará quando o vingador se sentir enfastiado, saciado ou cansado, e já não puder levantar o braço para acionar suas bombas, lançar seus mísseis, manobrar seus tanques, pilotar seus aviões e seus helicópteros.
Amparado pelos EUA, o governo de Israel dá bananas para a chamada comunidade internacional e proíbe a presença de jornalistas e a chegada de ajuda humanitária em Gaza.
No quadro de hoje, qualquer alegativa de ‘auto-defesa’ é mero escárnio, mais um, à nossa inteligência.
Quantos seres humanos ainda terão que morrer, serem mutilados, passar fome, perder o direito à esperança e ao futuro, para que um dia a comunidade internacional intervenha no Oriente Médio, estabeleça as decisões da ONU e assegure igualmente o direito de Palestinos e israelenses ao seu Estado?
Um famoso judeu, o mais humanista de todos eles, Karl Marx, em passagem que ficou exemplar, lembra que, se a história se repete duas vezes, se repete uma vez como tragédia e outra vez como farsa.
Os algozes de hoje foram ontem vítimas do holocausto.
A esperança, sempre resta uma esperança, é que um dia se levantará contra a força bruta do massacre a força moral de um Tribunal Russell — pois, sabem todos, os derrotados não podem convocar Nuremberg.
Mas até lá, o que nos dirá a ‘comunidade internacional’? Reagirá como reagiu às ‘armas de destruição em massa’ do Iraque? Ou como reagiu à invasão da Geórgia pela Rússia? Ou à ‘limpeza ética’ de Milosevic na antiga Iugoslávia?
Roberto Amaral é ex-Ministro da Ciência e Tecnologia e Vice-Presidente Nacional do PSB.