Restituições e compensações, induvidosamente, se incluem entre as matérias de mais difícil operacionalização no âmbito da administração tributária. De um lado, elas estão inevitavelmente associadas ao reconhecimento de direitos creditórios, muitas vezes juridicamente controversos e não raro pendentes de verificação por meio de procedimentos de fiscalização; de outro, podem se defrontar com a falta de liquidez do erário para honrar restituições ou, então, exigir a adoção de instrumentos especiais para efetivar compensação com outros tributos, sem comprometer, contudo, as vinculações setoriais ou a partilha de rendas com outros entes federados.
Essas circunstâncias conduzem a uma situação potencialmente litigiosa, pois o contribuinte presume um direito que pode ser questionado pelo fisco. A controvérsia frequentemente exige resolução pela via judicial. Considerada a excessiva constitucionalização da matéria tributária no Brasil, a demanda pode se arrastar indefinidamente, em prejuízo do fisco e do contribuinte, porquanto a incerteza nesses casos é crucial.
Há também a situação em que o fisco reconhece o direito creditório, entretanto não tem condições financeiras para proceder à restituição. A acumulação de créditos de ICMS e, em menor expressão, de tributos federais vinculados à atividade exportadora, constituem exemplo dessa hipótese.
A questão, portanto, consiste em identificar e institucionalizar meios que viabilizem, prontamente, restituições e compensações, sem ofensa aos parâmetros legais relativos à própria legitimidade do direito creditório e às complexas inter-relações fiscais, no campo do orçamento e do federalismo.
Até 1996, a legislação tributária federal somente admitia a compensação em relação a um mesmo tributo. Essa regra era excessivamente limitadora. Por exemplo, um contribuinte que tivesse um crédito de IPI não poderia compensá-lo com um débito de igual valor de Cofins. A alegação era de que tal procedimento estaria em desacordo com regras relacionadas com partilha e vinculação, pois o IPI é partilhado e não vinculado – justamente ao contrário da Cofins. Ainda que justificáveis, essas normas assumem, em tese, caráter confiscatório, porque impedem, sem razão plausível, a realização de um crédito líquido e certo do contribuinte.
Os arts. 73 e 74 da Lei nº 9.430, de 1996, ofereceram uma solução para o problema, ao permitir a compensação, ressalvadas situações especiais neles discriminadas, entre tributos federais de natureza distinta, mediante utilização de meios eletrônicos cada vez mais sofisticados.
Tal procedimento extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação, tácita ou expressa, no prazo de cinco anos. A adequada contabilização, para preservar vinculações e partilhas, se dá mediante procedimentos internos da Receita Federal.
O que se fez foi bom. Agora é preciso ousar mais. Créditos acumulados, na área federal, poderiam ser compensados com débitos previdenciários, observado o mesmo rito aplicável à vigente contabilização operada pela Receita. Aliás, entendo que essa possibilidade já é real, pois o mencionado art. 74, caput, fala em compensação com tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal. À época da sanção da lei, a contribuição previdenciária não era administrada por aquele órgão. Não é o caso hoje, desde a instituição da Receita Federal do Brasil. É um bom tema a ser explorado nos fóruns tributários, pois a aceitação dessa tese vai oferecer liquidez a créditos acumulados de empresas exportadoras. Remanesce a intricada e difícil acumulação de créditos do ICMS.
Nesse contexto soa estranho o que recentemente foi suscitado pela imprensa, a propósito de eventual compensação de créditos de IRPJ e de CSLL com a CIDE-Combustíveis, realizada pela Petrobrás. Não me refiro à legitimidade dos direitos creditórios, pois essa matéria requer um juízo valorativo mais elaborado, mas a repercussão da medida compensatória na arrecadação da CIDE, que no primeiro quadrimestre deste ano decresceu cerca de 67% em relação a igual período do ano anterior.
A queda na arrecadação da CIDE somente pode ser justificada por redução de alíquota ou base de cálculo e, menos provavelmente, por evasão fiscal. A compensação feita pela Petrobrás não é razão para a queda, tendo em vista que a adequada contabilização dos créditos e débitos dela decorrente é de responsabilidade do fisco, e não do contribuinte. Observe-se que a contabilização não está condicionada à homologação futura, que tão-somente sanciona ou não o aproveitamento do direito creditório, em relação ao próprio tributo que lhe deu causa.
Na condição de beneficiários de transferências à conta da CIDE, os Estados e Municípios se queixam com absoluta razão. A Petrobrás, entretanto, não pode ser responsabilizada por isso. As autoridades federais devem uma explicação clara e precisa sobre o episódio, sob pena de tisnar com suspeição um sistema de transferências compulsórias, tão antigo quanto respeitado.
Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal