“Muito pior do que uma lei defeituosa, mas corrigível, é o blecaute normativo”. A frase é do mestre Manuel Alceu Affonso Ferreira, laureado advogado, ex-secretário de Justiça de São Paulo, defensor do jornal O Estado de S. Paulo há décadas. Antes mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) revogasse, no dia 30 de abril deste ano, a Lei 5.250/67, conhecida como Lei de Imprensa, Alceu vinha advertindo para os riscos do vácuo jurídico que se seguiria a uma decisão como essa.
É notável ouvir de um mestre que “as virtudes ou os defeitos de uma lei devem ser detectados no seu conteúdo, jamais na certidão de nascimento”, ao lembrar de legislação oriunda do período da Ditadura Militar que não representa, em absoluto, o chamado “entulho autoritário”. É incrível o que mostra a luz de um especialista. Leis desse período que servem, e muito bem, à democracia? Ele cita uma enxurrada: “A (lei) definidora do crime de sonegação fiscal (1965), a instituidora do Código Eleitoral (1965), a regradora do direito de representação e o processo por abuso de autoridade (1965), a que dispôs sobre a ação pública nos crimes de responsabilidade (1967) e até o “Estatuto do Índio” (1973)”.
Vejo crescer, nos meios da imprensa, a inquietação pela falta de uma legislação específica para regular as relações da sociedade com a mídia. A Lei de Imprensa, embora tivesse defeitos, definia com clareza, no Artigo 27, a “fórmula para descaracterizar a alegação de abuso no exercício da liberdade de informação”, como lembra Alceu.
No artigo 21, parágrafo 1°, b, estava autorizada “a exceção da verdade quando na sua produção consentir o ofendido”, isto é, se um jornal ou jornalista acusasse um administrador de ladrão e o roubo fosse provado, a verdade imporia a inocência do veículo ou profissional, em qualquer tribunal.
O mestre, em artigo publicado no Estadão, desfia outras vantagens da Lei extinta: “Permissão para divulgação das explicações prestadas pelo interpelado (artigo 25, parágrafo 2°); minucioso tratamento ao direito de resposta (artigos 28, 37 e 38); critérios para o arbitramento monetário do dano moral (artigo 53), que a experiência forense comprovou utilíssimos no sentido de estancar as indenizações excessivas”.
Transcrevo o que ele diz sobre o sigilo de fonte: “Imprescindível ao jornalismo de investigação, ele é tutelado pela Constituição em curta e solitária passagem. Desse segredo a Lei de Imprensa havia duplamente cuidado (artigos 7º e 71), inclusive para garantir que o silêncio do repórter sobre a origem de seus relatos não lhe renderia ‘
qualquer sanção, direta ou indireta, nem qualquer espécie de penalidade'”.
Estou me dedicando, desde já, a combater a conhecida morosidade do processo legislativo brasileiro, em busca de caminhos para impedir a ação de aproveitadores, que tentarão de todas as formas utilizar o vácuo jurídico para estancar a imensa contribuição da imprensa à democracia. João Roberto Marinho, das Organizações Globo, lembra bem que “indenizações exorbitantes nas condenações judiciais contra jornais e jornalistas são uma forma de intimidação”.
A Federação Nacional dos Jornalistas e a Associação dos Jornais nunca estiveram tão unidas, num debate, como agora, concordando em que há urgência em suprir os magistrados de legislação específica. Nem a Constituição ou qualquer dos códigos vigentes conseguirão cumprir esse papel.
Vamos conduzir a nau da liberdade de imprensa a bom porto. Ela não pode ficar à deriva.