Essa semana dois fatos históricos, aparentemente sem ligação, são expressões de uma época de mudanças e de uma mudança de época. Eles acabaram de acontecer no nosso continente: a posse de Maurício Funes, eleito pela Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional, presidente de El Salvador, e cujo primeiro ato de governo foi o restabelecimento das relações diplomáticas, culturais e comerciais com Cuba; e a revogação, sem condições, pela Organização dos Estados Americanos (OEA) da resolução infame adotada sob controle dos Estados Unidos, que expulsou a Ilha do sistema interamericano de nações em 1962.
Governos submissos (a maioria ditaduras) se dispuseram a obedecer então a uma ordem do império americano e numa decisão inédita impuseram à ilha caribenha um isolamento que permitiu aos Estados Unidos sedimentar um bloqueio econômico covarde e atroz que ate hoje estrangula a Ilha. E além do embargo, os EUA impuseram sua ilegal e repudiada presença (ocupação) em Guantánamo – nome antes relacionado à maravilhosa música Guantanamera, que lembra Cuba e suas guajiras camponesas, mas agora, infelizmente, ligado à vergonhosa lembrança de torturas e crimes cometidos em nome do “combate ao terrorismo” pelo governo George Bush e impunes até hoje.
Os mesmos presidentes e ministros das relações exteriores que foram a El Salvador saudar a posse do novo governo – originário de um movimento guerrilheiro – se reuniram em Honduras para, apesar da oposição norte-americana, revogar a exclusão da ilha sem condições e sem impor a Cuba o retorno à entidade. Deram cabo, assim, àquela resolução que manchava a história das relações entre nações irmãs. Essa transcendência só foi possível graças às mudanças de governo e políticas que vem ocorrendo em toda América Latina, hoje governada – com exceções como a Colômbia e México e agora o Panamá – por governos progressistas ou de centro esquerda.
A revogação da expulsão cubana da OEA expressa – apesar das diferenças entre os processos políticos e de governos de cada país – a unidade em relação aos Estados Unidos e o desejo de construir nossas próprias instituições cujas expressões são o MERCOSUL, a Corporação Andina, a Unasul e, agora, o Grupo de Nações Latino–Americanas que se reuniu pela primeira vez esse ano em Salvador (BA), sem a presença dos Estados Unidos, mas com Cuba, pela primeira vez como membro. O mesmo aconteceu, também, com sua inclusão no Grupo do Rio.
A decisão de São Pedro de Sula (Honduras) terá conseqüências na política interna dos Estados Unidos, já que deslegitima a posição do governo Obama e do Departamento de Estado de relacionar o fim do bloqueio – condenado hoje por todas nações membros da ONU, com exceção de Israel e dos Estados Unidos – às condições da política interna de Cuba, o que viola seu estado de nação soberana e independente.
O principio reafirmado nesta resolução de São Pedro terá impacto no Congresso e na opinião pública americanos que, tenho certeza, levantarão o bloqueio e restabelecerão as relações diplomáticas com Cuba, como aconteceu com o Vietnam, URSS e China, sem nenhuma condição que manche os princípios da não intervenção em assuntos internos, do respeito à soberania de outras nações e o da não agressão econômica e militar. Vale lembrar que Cuba jamais representou uma ameaça à segurança dos Estados Unidos.
Essa vontade política de união em torno da integração latinoamericana, econômica, política e institucional expressa na OEA se impõe nas relações entre nossos governos e povos. A unidade também foi possível graças à liderança e à presença do Brasil e à política externa do Governo Lula, saudado em São Salvador pelo povo e pelo novo presidente e seu governo como um exemplo para os países da região. O que nos impõe o dever e o desafio de adotar políticas para construirmos instituições no nosso país que viabilizem essa integração decisiva para o nosso desenvolvimento nacional.
José Dirceu é ex-chefe da Casa Civil da Presidência da República