Indo para o espaço
Faz algum tempo, vi ilustre cientista brasileiro descrever, com orgulho profissional, como conseguira atrasar, em dois anos, o início das obras das hidrelétricas do rio Madeira. A explicação era técnica: as obras da barragem inverteriam o curso habitual dos bagres e isso poderia prejudicar a reprodução daqueles peixes peruano-amazônicos. Hoje, assisto, estarrecido, a situação semelhante em Alcântara, no Maranhão.
É indiscutível a importância de um programa espacial para o Brasil, que tem 8,5 milhões de quilômetros quadrados de área, litoral de cerca de 10 mil quilômetros, fronteiras com nove países independentes e a Guiana Francesa e população de cerca de 200 milhões de habitantes. Não me estou referindo a justas questões de segurança nacional, “stricto sensu”, mas, para além delas, à segurança de nosso espaço aéreo e de nossa aviação comercial, ao monitoramento ambiental de nosso território e às telecomunicações em geral. Desde os anos 60 do século passado, o Brasil vem, com a inconstância típica com a qual nossos governos cuidam das questões estratégicas, tentando montar seu programa espacial, que se constitui de três elementos insubstituíveis: base de lançamento, foguete lançador e satélite.
Naqueles anos, tratava-se de iniciativa pioneira, pois, depois da ex-União Soviética e dos Estados Unidos, éramos dos primeiros a tentar explorar o espaço, antevendo a importância que, nas décadas seguintes e neste século, alcançariam as telecomunicações. Hoje, fomos ultrapassados pela Coreia, pela Índia, por Israel, pela China e, mais recentemente, pelo Irã. Nos anos 1980, estávamos à frente de todos esses países. Quem responderá perante as gerações futuras por esse crime?
Aos obstáculos, a alternativa parecia ser a ACS (Alcântara Cyclone Space), empresa binacional resultante de tratado firmado entre o Brasil e a Ucrânia. Um salutar encontro de interesses. A Ucrânia possui uma das mais testadas linhas de foguete, o Cyclone, mas não possui bases de lançamento. Nós não possuímos tecnologia nem de fabricação de foguetes nem de plataforma de lançamento.
Entraríamos com nosso sítio. Seria na península de Alcântara, onde já se encontra o CLA (Centro de Lançamento de Alcântara), a 2,2 graus do Equador, o que nos possibilita, em face dos concorrentes, maior capacidade de lançar para órbitas equatoriais. Pois é exatamente essa vantagem que nos querem tomar. A área anteriormente destinada à ACS foi perdida pela ação de “representantes” de comunidades quilombolas que bloquearam, em fevereiro de 2008, o acesso de nossos técnicos ao sítio, ao qual viemos a renunciar nos autos de ação corrente na Justiça Federal maranhense. Graças à cooperação do Ministério da Defesa, novo sítio foi concedido, desta feita dentro dos limites do CLA, exatamente por ser esta uma área não questionada.
Mas, para nela operarmos, o Ibama nos exige a realização de pesquisas em área quilombola, trabalho que, desde novembro passado, nos é impedido por “líderes” locais. Não temos nenhuma sorte de conflito com quilombolas. Queremos, apenas, que nos deixem trabalhar dentro do CLA. Estamos parados há mais de um ano. Não é possível recuperar o tempo perdido. Quem pagará a conta de nosso atraso?
Somente em fluxo de caixa, o Brasil deixa de ganhar US$ 300 milhões por ano de atraso.
A quem interessa o atraso? Decerto não interessa à ACS, ao Brasil e às comunidades quilombolas de Alcântara, que vivem do extrativismo e da agricultura de subsistência, mantidas criminosamente longe da civilização. Talvez interesse às chamadas “lideranças” das comunidades, aos advogados do “museu antropológico” e aos agentes financiadores internacionais. Finalmente, todo o esforço de instalação de um programa espacial completo no Brasil foi destruído pela decisão de burocratas do Incra. A destinação de 781 km2 da península para o “Território da Comunidade Quilombola de Alcântara” reduziu o espaço para atividades espaciais brasileiras ao atual CLA, impossibilitado de crescer para cumprir novas missões.
Isso torna inútil uma localização privilegiada e condena o Brasil a conviver com sérias vulnerabilidades estratégicas e de defesa nacional. De quem é a responsabilidade?
Roberto Amaral , 68, advogado e cientista político, é diretor-geral brasileiro da Alcântara Cyclone Space e vice-presidente do Partido Socilaista Brasileira (PSB). Foi ministro da Ciência e Tecnologia (2003-2004).
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