Com a divulgação do uso indevido de passagens aéreas pelos senadores e deputados volta ao debate a reforma política, que se faz necessária, assim como a revisão pelo Congresso Nacional de seu funcionamento e estrutura, marcados pelo inchaço, empreguismo, nepotismo e fisiologismo.
É fato que não haverá democracia sem parlamentos e eleições, sem participação popular e que os deputados e senadores necessitam de estrutura, assessoria, cotas de telefone, internet, correio e passagens aéreas. porque além da atividade parlamentar propriamente dita, precisam ter contato com seus eleitores, com suas cidades e Estados. No entanto, nada pode justificar os desvios de finalidade e o mau uso de estruturas e recursos, que precisam ser coibidos e punidos.
Tenho me oposto, e combatido, toda critica generalizada ao Congresso Nacional e aos parlamentares, como a de que não trabalham e não aprovam leis, porque elas não correspondem a realidade da atuação da maioria dos legisladores brasileiros. Basta acompanhar um dia de atividade na Câmara ou no Senado ou consultar as leis aprovadas apenas nos últimos seis anos no país.
Para citar alguns exemplos, as reformas tributária (a que o Congresso precisa dar continuidade), previdenciária e do judiciário, a lei de recuperação de empresas, o estatuto de pequena e média empresa, o novo código civil e as mudanças na legislação penal. Sem contar as mudanças na legislação do mercado de capitais, do resseguro e imobiliária, sem as quais não teríamos a estabilidade e segurança jurídica de hoje e nem o crescimento econômico dos últimos anos. Na área social, o Congresso aprovou programas como o Bolsa Família, o ProUni, o Luz Para Todos e, agora, na crise internacional, as medidas enviadas pelo governo, apesar da resistência da oposição.
A pergunta que temos que fazer é como e quais mudanças precisam ser feitas para por um fim aos problemas não apenas de funcionamento do parlamento mas de sua eleição. Eu não tenho nenhuma dúvida de que devemos começar pela reforma política, que é a mãe de todas as reformas das quais o país necessita e que não são feitas, em grande medida, por causa do atual sistema eleitoral e político brasileiro, da sua crescente perda de legitimidade e representatividade. É um sistema caro e dependente do poder econômico, das oligarquias eletrônicas, das máquinas administrativas, um sistema que tira a “legitimidade” do eleito e o submete ao seu grande eleitor, os doadores, as empresas.
Sem fidelidade partidária (até a eleição de 2006), sem cláusula de barreira, com coligações proporcionais e suplentes de senadores, regras que precisam ser adotadas (as duas primeiras) ou extintas (as duas últimas), os mandatos são, cada vez mais, influenciados pela dependência ao poder econômico. A única maneira de romper com esse ciclo vicioso é a instituição do financiamento público, exclusivo ou misto, com doações para o fundo partidário e não para os candidatos ou partidos, e do voto em lista, ou distrital misto proporcional – e não o distrital majoritário como querem os tucanos, sistema que elimina as minorias e cria o risco dos colégios distritais de caneta, tão comuns nas experiências de países como a França e os Estados Unidos.
Não pode haver financiamento público sem voto em lista, sistema usado na maioria dos países do mundo. A reforma política devolverá à Câmara dos Deputados seu caráter nacional, colocando fim a esse caráter corporativo cada vez mais acentuado, ou mesmo distrital, que impede a votação de importantes matérias de interesse nacional, recolhidas às gavetas de suas comissões, como a própria reforma política, o aperfeiçoamento da tributária, a regulamentacao do uso da internet sem restrições, a regulação dos meios de comunicação, a reforma do sistema financeiro e tantas outras.
Ao fazer a reforma política não devemos cair na tentação de acabar com a propaganda de rádio e TV, partidária e eleitoral, necessárias para equilibrar, com o financiamento público, e restringir a influência dos meios de comunicação e do poder econômico nas eleições. Pelo contrário, devemos consolidar a conquista do horário eleitoral e partidário, e aprovar regras que garantam a proporcionalidade na cobertura da imprensa durante as eleições, hoje viciada pelo apoio a determinados candidatos e partidos – como aconteceu recentemente nas eleições municipais do Rio de Janeiro – além de garantir a distribuição do fundo e do horário eleitoral e partidário proporcional ao número de votos e não a distribuição por igual aos partidos como acontece hoje, de parcelas desses fundos e do horário no rádio e na TV.
Ao lado da reforma política, o parlamento precisa aprovar uma reforma administrativa e orçamentária, colocando fim as emendas parlamentares; ao orçamento autorizativo; as nomeações de não concursados para cargos de confiança; reforçando os mecanismos de controle e fiscalização dos recursos públicos e das licitações; e eliminando de vez não só o abuso de poder econômico mas principalmente o uso do orçamento público para fins eleitorais. Seria um bom começo para dar uma resposta a cidadania, indignada e assustada com a onda de denúncias que atingiu o parlamento brasileiro.
José Dirceu foi ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República