Normalmente esse espaço não contemplaria um artigo sobre a universidade na qual esse editor é professor há 12 anos. No entanto, a Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), é a terceira maior universidade privada do país. Trata-se de um complexo educacional que envolve 130 mil alunos e uma instituição da qual dependem, diretamente, cerca de 237 mil pessoas se consideradas todas as atividades nas quais está envolvida. Uma instituição desse porte e que atua nas áreas de educação e saúde, é patrimônio da nacional, e, com tal, deve ser tratada.
Dirijo-me aos quase 10 mil assinantes do nosso newsletter, mas especialmente à parte considerável deles que se compõem de professores e alunos da ULBRA, que vive o momento mais crítico de toda a sua história.
A crise da ULBRA tem origem em problemas internos, mas também, externos à instituição. Considero, no entanto, que os problemas internos são mais graves, e a principal causa da crise que culminou, no dia 17 passado, com a remoção do ex-reitor Ruben Becker, do comando da instituição, deliberada pelo conselho da Comunidade Evangélica Luterana São Paulo (CELSP).
O problema externo diz respeito às políticas públicas dos governos FHC e Lula para a educação. Na década de 1990 o governo federal passou a incentivar a criação de novos cursos e novas instituições de ensino superior visando resolver o problema da falta de vagas nas universidades brasileiras. O afrouxamento dos critérios estabelecidos pelo MEC para liberar a criação de novos cursos superiores levou à proliferação de novas faculdades, muitas das quais sem condições de oferta responsável da necessária qualidade. Parte considerável dessas faculdades pequenas opera com baixos custos devido à ausência de estrutura e investimentos em qualidade.
A conseqüência disso foi que, após a explosão de procura verificada após a massificação da oferta, o mercado da educação privada se acomodou à nova situação, levando à crise as grandes instituições de ensino privado do país. Instituições de grande porte possuem custos operacionais, decorrentes dos investimentos em estrutura e qualidade, que não suportam a competição com os preços oferecidos por faculdades de pequeno porte, muitas das quais não resistiriam a uma avaliação criteriosa das condições de oferta que disponibilizam aos alunos.
O problema se repete agora, com o incentivo do MEC, sob o governo do presidente Lula, à oferta de cursos em EAD (educação à distância). O ciclo de explosão de oferta e suprimento da demanda reprimida, seguido de crise das grandes instituições, se repete tal como aconteceu com o excesso de oferta de cursos presenciais.
Já passou da hora de o MEC intervir nesse processo visando proteger o interesse da sociedade brasileira em dotar o país de um sistema educacional de qualidade. Há que separar o joio do trigo. E, não obstante os problemas hoje vividos por essa instituição, na qual trabalho há 12 anos como professor de sala de aula – presencial e EAD -, afirmo que a ULBRA é trigo. Joio surgiu em meio às sementes saudáveis que predominam nessa instituição. Nem a ULBRA e nem a Comunidade Luterana (a qual não pertenço), devem ser condenadas pelos eventuais desvios de conduta dos gestores que estão sendo destituídos do poder dentro da instituição.
Tanto isso é verdade, que a solução que começa a brotar para os problemas da ULBRA, nasce de seu interior, em parte da comunidade acadêmica, que se insurgiu contra o descalabro administrativo de seus gestores, em parte, da Comunidade Luterana, que assumiu as rédeas da mantenedora (CELSP), destituiu o ex-reitor e escolheu um novo gestor.
O novo reitor da ULBRA, Marcos Fernando Ziemer, sinaliza positivamente na direção do saneamento completo da instituição, tarefa que ele pretende empreender com a participação de toda a comunidade acadêmica e do corpo de colaboradores que integra as diferentes áreas de atuação da ULBRA. As referências pessoais e profissionais que colhemos do professor Marcos Ziemer são as melhores possíveis.
A ULBRA se reerguerá, preservando seu caráter de uma organização confessional privada e sem fins lucrativos, vocacionada para a educação, a pesquisa e a extensão, e na qual toda a comunidade que a integra será protagonista responsável do processo de definição dos seus rumos.
A ULBRA não deve ser e não será federalizada. Não será porque o governo federal, corretamente, não pretende fazer isso. Não será porque o Sinpro-RS teme perder sua principal fonte de arrecadação, proveniente da imposto sindical e da contribuição assistencial subtraídas involuntariamente da remuneração dos professores por força de lei. A ULBRA é a maior fonte de recursos do sindicato de professores do ensino privado do RS. Deixaria de sê-lo se fosse estatizada.
Mas, a ULBRA também não deve ser estatizada porque não é justo nem correto pendurar na conta dos contribuintes brasileiros a irresponsabilidade gerencial e a eventual responsabilidade penal dos gestores que estão sendo removidos do comando da instituição.
A ULBRA é viável economicamente como instituição focada no ensino, na pesquisa, na extensão e na produção de tecnologia aplicada para o mundo empresarial e a sociedade em geral. Se os recursos que ela gera forem reinvestidos na própria instituição, e não desviados para outros fins, a instituição tem plenas condições de se recuperar e ocupar espaço de liderança no mercado de educação privada no país e na produção de ciência e tecnologia. A propriedade intelectual de conhecimento científico aplicado é uma verdadeira mina de ouro. Desenvolver conhecimento tecnológico aplicado deve ser atividade prioritária na nova ULBRA, em nossa opinião.
Além disso, segundo reportagem da revista Exame de abril de 2009, o mercado de ensino privado movimenta R$ 25 bilhões/ano no Brasil e apresenta perspectiva de crescimento de 5% nos próximos 3 anos, devendo movimentar cerca R$ 27 bilhões/ano até 2012. Estima-se em cerca de 9 milhões o número de alunos em nível de graduação no país hoje, cifra que deve crescer 10%, chegando à 4,3 milhões até 2012. Os cursos de graduação tecnológica têm, atualmente, cerca de 490 mil alunos. As previsões são de que esse número deve crescer 30%, chegando a 650 mil alunos nos próximos 3 anos. No campo dos cursos de pós-graduação são 600 mil alunos matriculados em 2009. Avalia-se que esse mercado deverá crescer 230% e atingir 2 milhões de alunos em 2012.
A mensalidade média dos cursos superiores, atualmente, é de R$ 457,00. A renda média dos alunos é de cerca 6 salários mínimos. Cerca de 67% desses alunos está na faixa entre 18 a 24 anos, e 72% desses alunos trabalha. Deve-se considerar ainda, que existem hoje, linhas de crédito educacional subsidiado pelo governo, que ampliam o acesso ao ensino superior privado. Finalmente, a ULBRA possui, hoje, cerca de 90 mil alunos freqüentando cursos à distância, tendo conquistado a terceira posição nesse mercado, em franca expansão nos próximos anos.
E mais. Um novo ingrediente qualitativo deve ser considerado para efeitos de avaliação da capacidade de recuperação da ULBRA. Ao tomarem à frente do combate político à gestão que marcou o comando recém destituído da instituição e a levou à falência, os alunos e colaboradores da ULBRA (professores, e funcionários), romperam décadas de submissão ao autoritarismo e ao centralismo que marcavam o estilo de administração até então vigente na organização.
O indicador mais avançado na nova postura dos colaboradores da instituição se materializou num documento político elaborado por uma comissão de professores para ser aprovado em assembléia, para ser entregue ao novo reitor, no qual estão sintetizadas as demandas pela construção dos contornos institucionais de uma NOVA ULBRA.
Em síntese, esse documento propõe que a ULBRA deva se pautar pelo compromisso com:
a) A realização de auditoria para aferição da real situação de todos os passivos da instituição;
b) A divulgação para a comunidade interna dos resultados dessa auditoria;
c) A elaboração, no prazo de seis meses, de um programa de reestruturação institucional contemplando o equacionamento dos passivos e as potencialidades das diferentes áreas de atuação do complexo ULBRA;
d) A elaboração de um novo estatuto/regimento priorizando a constituição democrática das instâncias de gestão acadêmica, nas relações intra-institucionais, enfatizando a eletividade dos cargos de direção e coordenação, e respeitando a Convenção Coletiva de Trabalho;
e) O respeito à liberdade e autonomia de atuação das representações docentes e discentes;
f) A preservação da unicidade do complexo educacional;
g) A reafirmação do ensino, da pesquisa e da extensão como bases de sustentação do projeto acadêmico da instituição; e,
h) A ratificação do foco do complexo CELSP/ULBRA na atividade educacional.
O novo reitor, a julgar pela sua vida pregressa, pelas informações que se tem sobre a sua idoneidade moral e qualificações profissionais, assim como pelas declarações que tem emitido após sua eleição pelo conselho da mantenedora, revela-se em sintonia com essa agenda, que deverá ser objeto de negociação após o retorno à normalidade das atividades na instituição, que, entendemos, deva acontecer após a assembléia dos professores a ser realizada dentro do campus de Canoas (fato inédito, se confirmado) no dia 22/04.
Certamente, ao perceberem a força e a energia de renovação, mobilizadas pelo processo político em curso dentro da ULBRA e de sua mantenedora, autoridades governamentais, judiciais e credores não se furtarão a viabilizar condições para a mais rápida volta à normalidade, de modo a que as pendências existentes em diversas frentes (jurídica, fiscal, trabalhista e financeira), sejam devidamente equacionadas.
A escolha do novo reitor foi o ponto de inflexão a partir do qual começa o processo de reforma da ULBRA. É hora de trabalhar! O trabalho mais difícil começa agora. Mas, todos aqueles que conhecem os meandros dessa instituição, a capacidade de trabalho e dedicação de seus colaboradores e os valores morais elevados que pautam a conduta da Comunidade Luterana, não tem dúvida de que o sucesso será alcançado. Em curto prazo.