A cada dia vai ficando evidente que o Congresso Nacional – Câmara e Senado, seus presidentes e as lideranças dos partidos -, só tem uma saída para enfrentar o verdadeiro tsunami que se abateu sobre o Parlamento: realizar uma reforma administrativa já e pautar a reforma política para enfrentar o problema do Caixa 2 e da perda de legitimidade e representatividade do Legislativo.
Para além da disputa política e do uso político partidário e eleitoral, das denúncias e das investigações e inquéritos – com suas ilegalidades, particularmente os vazamentos a atingir agora a oposição, que protesta com lágrimas de crocodilo, já que fez uso desse expediente todo tempo contra o governo e o PT -, o fato é que o atual sistema político eleitoral é uma fonte de enfraquecimento dos partidos e da representatividade do parlamento. E sem reforma radical não vamos enfrentar a crise que ameaça liquidar com toda credibilidade do Congresso Nacional, apesar de seu papel essencial na democracia brasileira e das reformas e leis que aprovou nos últimos anos.
Como sempre temos defendido e argumentado, o Senado da República já aprovou uma reforma política para as eleições proporcionais, que não lhe dizia respeito, mas que contéem os pontos básicos para uma mudança radical no processo eleitoral e partidário brasileiro. No entanto, não aprovou as medidas para sanear e reformar o próprio Senado, eleito majoritariamente, como o fim dos suplentes de senadores e a redução do mandato de oito para seis anos ou mesmo a mudança do papel da Casa no processo de elaboração das leis. Nosso Senado, longe de ser uma representação da federação, é uma câmara alta revisora, com poderes extraordinários, como a aprovação dos nomes indicados pelo presidente da República para os tribunais superiores, procurador-geral do Ministério Público, embaixadores, membros das agências reguladoras , além de ser o foro para processar o chefe do governo e os ministros do STF e autorizar o endividamento dos Estados e municípios.
O que interessa nesse momento é a reforma política que está na Câmara, de quem devemos cobrar, assim como dos partidos, a responsabilidade para dar uma resposta a onda de denúncias, às vezes com objetivos escusos de enfraquecer o legislativo, de colocá-lo de joelhos, de desmoralizá-lo perante o país, mas sem nenhuma dúvida com base em fatos reais e escandalosos como os que o país assiste estarrecido nesse momento, principalmente no Senado da República.
Mas não nos iludamos. A fonte dessas mazelas está no sistema eleitoral apoiado no financiamento privado, na infidelidade partidária e no voto uninominal, que transforma o eleito em dono de seu mandato e em devedor perante quem o financia, além de enfraquecer os partidos e liquidar com qualquer resquício programático e ideológico na relação entre os eleitos e seu partido.
Esse sistema só sobrevive com as emendas orçamentárias e licitações dirigidas, com nomeações políticas e com Caixa 2. Sua erradicação começa com a reforma política mas não acaba com ela, exigindo do Congresso Nacional a aprovação do orçamento impositivo, o fim das emendas parlamentares no orçamento, a reorganização do sistema de controle interno e dos órgãos de controle externo, a revisão da lei de licitação e o fim das nomeações de não concursados para cargos de confiança.
É preciso restabelecer na Constituição a exigência de ser funcionário de carreira e concursado para ocupar cargos de confiança em geral, com exceção dos cargos políticos de nomeação exclusiva do chefe do Executivo.
Se tudo isso é verdade, quem e por que não se aprova a reforma política na Câmara dos Deputados? Por que o Brasil continua com 18 partidos no Parlamento e 30 registrados na justiça eleitoral? Por que continuamos com um sistema que estimula o Caixa 2 , aumenta o papel do poder econômico, enfraquece os partidos, deslegitima e afasta os parlamentares dos eleitores e custa caro?
A resposta é simples: porque a maioria dos parlamentares não quer legislar contra seus interesses, contra um sistema que os reelege e permite que continuem controlando o Parlamento, impedindo os governos de constituir maiorias e de ter governabilidade e os obrigando a negociações a cada votação, a concessões de cargos, verbas, obras e poder para parlamentares e grupos que controlam legendas e votos no Congresso.
A única saída parecia ser apelar para a sociedade, para os cidadãos eleitores, para um plebiscito, já que hoje a maioria, segundo pesquisas, exige uma reforma política e está disposta a aceitar as mudanças propostas, inclusive o voto em lista, o financiamento público e a fidelidade partidária. Essa consulta direta pode ser feita nas eleições gerais em 2010 e a reforma aprovada ser implantada já para as eleições municipais de 2012 e para as de 2014.
Mas mesmo essa saída depende da aprovação do plebiscito no Parlamento. Então a melhor solução é pressionar os deputados e partidos a fazer já a reforma política. Mas pressionar quem, quais partidos e quais lideranças? É fácil: basta, por exemplo, estudar quem votou contra ou a favor do voto em lista, sistema sem o qual é impossível financiar com recursos públicos as eleições. Assim saberemos porque não se aprova a reforma e quais partidos estão a favor ou contra o principal da reforma, mesmo que haja divergências na cláusula de barreira ou no fim das coligações proporcionais.
Três partidos, PT, DEM e PC do B, votaram majoritariamente e encaminharam pelo voto sim; sete orientaram o voto não, PDT(todos seus 22 parlamentares foram contra) à frente, PSDB cujos votos (42 contra e só 8 a favor) foram decisivos para a derrota; o PMDB, como sempre dividiu-se (33 a favor e 42 contra); PSB (18 contra, 4 a favor); e os três partidos que mais se beneficiam do atual sistema votaram totalmente contra, PP, PR e PTB, junto com o PV (todos votos contra), tendo o PPS também se dividido.
Assim, se queremos fazer a reforma política precisamos de um acordo do PT-DEM-PC do B com o PSDB-PMDB. Como esses partidos detém quase 90% dos votos da Câmara são eles os responsáveis pela realização ou não da reforma. Dificilmente os outros partidos mudarão de posição, sendo que três PP-PTB-PR mais o PDT são as maiores opositores da reforma. O cidadão eleitor já sabe quem deve pressionar: o PSDB – que a bem da verdade defende o indefensável para o Brasil, o voto distrital majoritário – e o PMDB, para que o país tenha um sistema eleitoral que supere as mazelas do atual e para que evitemos uma derrocada do Parlamento, sem o qual não existe democracia.
José Dirceu é ex-ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República.